Duas décadas depois, a primeira vez dos Dealema
Históricos do hip-hop português, põem as máquinas de lado e entregam-se às mãos de uma banda virtuosa no jazz, no funk, na soul. Este sábado no Pérola Negra, a casa portuense com longa história que ganhou recentemente nova vida.
Quando o telefone toca, Maze prepara-se para entrar na sala de ensaio. Não é algo habitual neles, nos Dealema, a histórica banda hip-hop nascida há duas décadas entre Porto e Gaia. “Somos cinco, todos com vidas diferentes, e ensaiamos muito poucas vezes. Raramente o fazemos para concertos, só nos juntamos para fazer músicas novas”, confessará o MC e produtor ao PÚBLICO. Ora, é precisamente para isso que ensaiam por estes dias. Não para preparar temas novos, entenda-se. Para criar nova música para as canções de que se faz a sua longa história.
Este sábado, a partir das 23h, no Pérola Negra, vetusta casa portuense, antigo cabaré de sexo reaberto como discoteca no final de 2016 e que ganha agora nova vida, o pentágono formado por Maze, Fuse, Expeão, Mundo Segundo e DJ Guze transformar-se-á em octágono: aos cinco Dealema juntam-se os teclados de Sérgio Alves, a bateria de Ricardo Danin e o baixo e a guitarra de Bruno Macedo, ou seja, junta-se aos autores de V Império a Pérola Negra Band.
É a primeira vez dos Dealema (com banda). Será também a estreia das noites Movimento que Maze promoverá bimestralmente no espaço da Rua Gonçalo Cristóvão. Uma coisa e a outra nasceram de um convite que o gestor de projecto e programador musical do Pérola Negra, Jonathan Tavares, fez a Maze para que este trabalhasse hip-hop em conjunto com uma banda residente. “Surgiu daí a ideia de fazer o Movimento”, explica este. “Passa por ter um MC ou um grupo hip-hop, menos habituados a um formato orgânico, a pôr as máquinas de lado para fazer um concerto.”
O concerto em si é totalmente aberto – “pode ser uma jam session, podem ser temas clássicos do rap americano reinterpretados com rimas em português”, exemplifica. Já o conceito das noites está definido na cabeça de Maze: um movimento, lá está, entre os elementos fulcrais da cultura hip-hop. Para começar a noite, uma sessão de slam poetry, chamando um público que, “apesar das proximidades óbvias, está longe do rap, por se reunir em sítios diferentes, em bares diferentes”. Seguem-se um concerto e, depois, um set DJ, forma de "trazer os b boys e as b girls ao clube e continuar a festa”. Fechando a representação das quatro vertentes do hip-hop, estará o graffiti, que poderá ser integrado, por exemplo, em forma de exposição ou marcado nos cartazes. Isso chegará em Fevereiro, na segunda noite Movimento. Antes disso, este sábado, há Dealema a deixarem-se contaminar pelo groove jazz da Pérola Negra Band – não haverá ainda slam poetry, mas haverá DJ Glue a chamar os b boys and girls à pista de dança.
Maze garante que tocar com banda era uma ambição de sempre – “os Roots são a minha banda preferida”, exclama –, mas foi preciso esperar duas décadas para que esse desejo antigo se cumprisse. Era uma ambição de sempre mas não era uma obsessão, e havia demasiadas coisas a acontecer para que as peças encaixassem todas. “Não foi possível antes porque somos uma banda underground com uma estrutura de cinco músicos e uma equipa técnica que segue connosco na estrada. Agregar a isto mais músicos resultaria numa estrutura demasiado grande.” A oportunidade chegou agora, através do convite do Pérola Negra.
Um quinteto imprescindível
Os Dealema são um nome sem o qual não é possível pensar a história do hip-hop no Porto (centremo-nos nas origens), são um quinteto imprescindível no percurso do rap em português (pensemos na tanta estrada percorrida de Norte a Sul, pensemos na influência exercida no cenário lusófono desde O Expresso do Submundo, EP de estreia, ano 1996, até Alvorada da Alma, o quarto longa duração, lançado em 2013). Banda com percurso longo e acção múltipla – basta seguir os percursos paralelos a solo dos seus elementos ou as colaborações que foram registando com o decorrer dos anos –, diziam isto ao Ípsilon, quando da edição de Alvorada da Alma: “Podemos fazer muito mais. Estamos apenas no início.”
O que tinham feito naquele álbum era um mergulho nos clássicos que os apaixonaram no início de tudo – o hip-hop de recorte old school, o r&b impregnado de soul, o funk bem medido. O que farão no concerto desta noite, apesar de inédito no seu percurso, será, de certa forma, um continuar desse rumo. “Hoje, o entendimento de um puto de 13 anos que cresceu toda a vida a ouvir rap é completamente diferente. Percebe a linguagem e a intenção e compreenderá tanto o que fizemos no passado como o que fazemos agora. Mas esta nossa nova abordagem também representa o marcar de uma posição. Mostrar a essa nova geração, habituada ao trap e uma outra linguagem de rap, de onde é que tudo veio: o jazz, o funk, a soul.”
Alguns minutos depois, o telefone há-de desligar-se e Maze abrirá a porta da sala de ensaios. Lá dentro, os Dealema e a Pérola Negra Band irão preparar o alinhamento de um concerto em que ouviremos os clássicos da banda e temas menos clássicos que a nova formação favorece. Lá dentro, o rap a groovar teclas, guitarra, baixo e bateria. A história conhecida a revelar-se em novas dimensões. "A solo, o Mundo [Segundo] já toca em formato banda há alguns anos e eu, como toco com ele, também. O Expeão também já o fez. Mas enquanto Dealema sempre estivemos habituados a ser os cinco, o pentágono. É principalmente isso que muda. Expandimo-nos para outras direcções", diz Maze.
Por uma noite, por agora, o pentágono em metamorfose para octágono. A história continua a fazer-se.