No centro hospitalar a que pertence a MAC faltam 44 anestesistas no quadro

A confusão instalou-se depois de a ministra ter afirmado que não foi possível escalar um anestesista no Natal para a Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, porque o valor pedido à unidade eram “500 euros à hora”. Certo é que há anos que a falta de anestesistas no quadro dos hospitais públicos é um problema.

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O Ministério da Saúde e o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) não divulgaram nesta quinta-feira qualquer documento que prove que houve um médico, daqueles que são recrutados à tarefa pelas empresas de prestação de serviços, a pedir 500 euros por hora para trabalhar na véspera e no dia de Natal na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, como reclamou a Ordem dos Médicos. Haverá um email de uma empresa que refere que um anestesista estaria disponível para trabalhar por esse valor, mas este não deverá ser divulgado para não alimentar ainda mais a polémica criada pelas declarações da ministra da Saúde Marta Temido.

A confusão instalou-se depois de a ministra ter reagido ao facto de a maior maternidade de Lisboa — que está integrada no CHULC — fechar a urgência por ter apenas um anestesista de serviço (quando as regras exigem dois). Marta Temido declarou que não foi possível escalar outro especialista porque o valor pedido à unidade eram “500 euros à hora”.

Considerando que o teor das declarações é “ofensivo e indigno para os médicos”, a Ordem exigiu nesta quinta-feira em comunicado que fossem apresentados “os documentos/contratos onde conste claramente o referido valor”. Se se confirmar que não existem, reclama “um desmentido tão público quanto o foram estas falsas notícias”.

Horas depois, o Ministério da Saúde reagia, também em comunicado, assegurando que uma das respostas enviadas por uma empresa de prestação de serviços ao CHULC “referia que os vários especialistas contactados não estavam disponíveis para trabalhar pelos valores propostos” e incluía ainda “a disponibilidade de um anestesista mediante o pagamento de 500 euros por hora”.

Entretanto, a administração do centro hospitalar em que está integrada a Maternidade Alfredo da Costa garantiu esta quinta-feira que já estão asseguradas as escalas de anestesistas para o fim do ano.

Polémicas à parte, o que já sabe há anos é que faltam muitos anestesistas no quadro dos hospitais públicos. O último inquérito feito pelo colégio da especialidade da Ordem e divulgado em Junho passado identificou uma carência de 44 só no CHULC para um quadro de mais de nove dezenas de especialistas em anestesiologia. A nível nacional, a carência era então de 541 anestesistas, quase metade do total de 1158 profissionais que estas unidades tinham nos quadros.

É esta carência que explica em grande parte a confusão agora instalada. Depois de, num passado recente, se terem pago valores que chegaram aos 100 euros por hora a especialistas contratados à tarefa para as urgências (a própria MAC chegou a pagar no Natal e fim do ano 99,90 euros por hora a anestesistas), o pagamento a médicos tarefeiros foi regulado e, de acordo com o despacho mais recente (3027/2018), é de 26 euros por hora, se se tratar de um especialista. Mas pode ser mais elevado em determinadas circunstâncias, prevendo-se um reforço de 35% a 50%, ou seja, 39 euros, no máximo.

O certo é que uma parte significativa dos jovens especialistas opta por ir trabalhar para o sector privado ou emigra. De acordo com o inquérito da OM divulgado em Junho, dos 145 especialistas formados em Anestesiologia entre 2014 e 2017, apenas 99 terão ingressado nos quadros das instituições hospitalares públicas.

Médicos riram-se

Votando à polémica da MAC, o centro hospitalar disse que tentou contratar anestesistas através de empresas de prestação de serviço para os dias 24 e 25 Dezembro “dentro dos valores de referência estabelecidos” e confirmou “a recepção”, por parte de uma das empresas prestadoras de serviço, “de [uma] referência a eventual disponibilidade de um médico para trabalhar, nestes dias, por 500 euros

hora”. Já depois do comunicado do ministério, o bastonário Miguel Guimarães reafirmou que não houve nenhuma proposta por parte do hospital para contratar anestesistas por 500 euros por hora e que por isso a ministra não poderia ter dito que não havia profissionais disponíveis por esse valor. Foi um “mal-entendido criado pela ministra da Saúde”, concluiu.

“A comunidade médica fartou-se de rir com esta história. É uma brincadeira de mau gosto. Se alguém tivesse oferecido esse valor haveria uma legião de anestesistas à porta da maternidade na noite de Natal”, reagiu o ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia, Lucindo Ormonde. “Se isso é verdade, identifique-se a pessoa e a empresa”, exigiu o médico que dirige o serviço de Anestesiologia no Hospital de Santa Maria. “Alguém que acredita que um médico possa ter pedido esse valor para trabalhar na noite de Natal ou não tem a inteligência toda ou anda a leste do paraíso.” De resto, recorda, não é a primeira vez que isto acontece na MAC, que tem fechado e transferido grávidas para outras unidades por diversas vezes.

“A ministra fez declarações abusivas ao dizer à comunicação social que não conseguia contratar médicos nem por 500 euros, o que é falso”, diz o bastonário Miguel Guimarães. Além disso, apesar de ser conhecido o problema da falta de anestesistas, no último concurso para recém-especialistas, das 25 vagas abertas a nível nacional não houve uma única para o CHULC, facto que foi também assinalado pelo Sindicato Independente dos Médicos — que nesta quinta-feira acusou a ministra de, com as suas declarações, manifestar um “enorme desrespeito” pelos clínicos do SNS.

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