Costa recuou em Borba e ainda bem
Uma tragédia destas deve-nos fazer pensar nas vantagens, em algumas questões fundamentais, da centralização e da responsabilidade do Estado central.
A decisão do Conselho de Ministros de quinta-feira de pagar indemnizações às famílias das vítimas da tragédia de Borba é um recuo significativo da posição inicial do primeiro-ministro. Costa, o homem sem empatia, tinha sido demasiado rápido a afirmar que só haveria direito a reparação caso houvesse responsabilidade do Estado e que não havia "uma evidência de uma responsabilidade do Estado", já que a estrada está sob tutela do município desde 2005. Costa mudou de ideias – e ainda bem.
É verdade que logo a seguir à declaração do primeiro-ministro entrou em cena o ultra-empático-em-toda-a-linha Presidente da República para pressionar o Governo a "assumir a responsabilidade própria da administração pública perante os familiares das vítimas", aproveitando para dar uma lição de Direito a propósito do assunto: "É o que se chama no Direito uma responsabilidade objectiva, independentemente da outra vertente, que é o apuramento da responsabilidade subjectiva que é, em concreto, que entidades ou que pessoas poderão ser responsabililizadas por aquilo que aconteceu".
O inquérito conclui que a Câmara Municipal falhou, como conta a Liliana Valente, porque já sabia do risco iminente da estrada desde 2014 e não fez nada. Mas o Conselho de Ministros entendeu não excluir também a possibilidade de uma responsabilidade do Estado por via da tutela da fiscalização das pedreiras. "Não se pode excluir, nesta fase, uma responsabilidade indiciária, concorrente e indirecta do Estado, por via da omissão de diligência no exercício dos seus deveres de fiscalização das pedreiras envolventes da estrada municipal", lê-se no comunicado do Conselho de Ministros.
De uma forma mais ou menos estranha, o ministro do Ambiente foi célere em afirmar que a "responsabilidade indiciária" não tinha nada a ver com a tragédia de 19 de Novembro, o que é contraditório com o texto divulgado pelo Conselho de Ministros que, naturalmente, estava a analisar o acidente. "Não há qualquer relação entre estas omissões de fiscalização [da DGEG] e o trágico acidente de dia 19 de Novembro", disse Matos Fernandes.
O recuo de Costa é bom mas o essencial está mais além: a transferência das responsabilidades das estradas para as autarquias, há 14 anos, foi uma boa medida? Que meios têm as autarquias para fiscalizar vias? E dinheiro para as reparar? Nada desculpa a Câmara de Borba, que não fechou a estrada depois de ter sido avisada para o risco. Mas uma tragédia destas deve-nos fazer pensar nas vantagens, em algumas questões fundamentais, da centralização e da responsabilidade do Estado central.