Congo procura virar a página no meio da violência e de um surto de ébola

Joseph Kabila vai abandonar o poder ao fim de 18 anos, numas presidenciais marcadas por confrontos e decisões polémica da autoridade eleitoral. Eleições na República Democrática do Congo realizam-se no domingo.

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Shadary é candidato apoiado pelo Presidente Kabila STEFAN KLEINOWITZ/EPA

A República Democrática do Congo vai a votos no próximo domingo, numa eleição há muito adiada e que pode resultar na primeira transferência democrática de poder no país da África Central, desde a independência da Bélgica em 1960.

Ao fim de 18 anos, o Presidente Joseph Kabila vai abandonar o cargo que herdou do seu pai, quando este foi assassinado. E dois anos depois de o seu mandato constitucional ter expirado.

As eleições foram sucessivamente adiadas nos últimos dois anos e têm sido marcadas por protestos violentos em vários pontos do país. 

As cidades de Beni e de Butembo foram impedidas de participar na votação até Março, por causa da propagação do surto de ébola no Leste do Congo. A decisão originou confrontos entre manifestantes e as autoridades, que esta quinta-feira utilizaram balas verdadeiras e gás lacrimogéneo para os dispersar. 

E em Yumbi, a oeste, um conflito étnico violento já tirou a vida a mais de cem pessoas nas últimas semanas e levou igualmente à exclusão da cidade da votação de domingo.

As cidades em causa são reconhecidos bastiões de oposição a Kabila, pelo que os candidatos adversários acusam a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) de estar a orquestrar um plano para beneficiar o candidato escolhido pelo Presidente, Emmanuel Ramazani Shadary.

Qual a importância destas eleições?

Os congoleses esperam que a eleição possa ajudar a virar a página de uma história violenta – ou, pelo menos, iniciar uma reviravolta. 

Iniciadas em 1960, com a deposição do líder da independência Patrice Lumumba, apoiada pela Bélgica e pelos Estados Unidos, todas as transferências de poder no país chegaram através da força das armas. Incluindo a derrota do autocrata Mobutu Sese Seko em 1997, após 32 anos no poder, e o assassínio do seu sucessor, Laurent-Desire Kabila, em 2001.

Duas guerras regionais entre 1996 e 2003, desencadeadas em parte pelo genocídio de 1994 no vizinho Ruanda, sugaram meia dúzia de exércitos regionais, que resultaram em milhões de mortes.

Desde então, o Congo continua a ser um lugar violento e a luta entre o Governo e as milícias rebeldes levou centenas de milhares de refugiados a fugirem através das fronteiras.

Quando o mandato de Kabila expirou, em 2016, provocando protestos violentos e o agravamento da violência por parte das milícias, poderes regionais como Angola ou Ruanda pressionaram o Presidente a renunciar o cargo.

E para os investidores?

O Congo é o maior produtor mundial de cobalto, um componente-chave nas baterias de carros eléctricos e telemóveis. É também o principal extractor de cobre em África e um importante produtor de ouro.

Isso faz com que estas eleições sejam particularmente importantes para as empresas mineiras, como a Glencore, a Randgold e a China Molybdenum, que estão em disputa com o Governo devido a um novo regulamento do código de mineração aprovado este ano, que aumentou os impostos e outros pagamentos ao Estado.

O candidato favorito de Kabila, Shadary, vai muito possivelmente continuar a batalha recente com os investidores estrangeiros. Os seus principais adversários não fizeram muitos comentários sobre o assunto.

Quem vai vencer?

São 21 candidatos na corrida à presidência, mas apenas três são considerados sérios candidatos.

Shadary, ex-Ministro do Interior, era pouco conhecido antes de Kabila o ter escolhido, em Agosto, para concorrer. O ex-ministro do Interior conta com o forte apoio de instituições do governo e um considerável orçamento de campanha.

Mas enfrenta uma oposição dividida, que concordou no mês passado em apoiar o ex-gerente da ExxonMobil, Martin Fayulu, como seu candidato, apenas para Felix Tshisekedi, o presidente do maior partido de oposição do Congo, desistir.

Uma rara sondagem de opinião nacional realizada em Outubro mostrou que Tshisekedi estava na frente com 36%, 16% para Shadary e 8% para Fayulu.

Os eleitores vão também eleger representantes para as assembleias provinciais e nacionais.

O que pode correr mal?

Muita coisa.

Os actos violentos das últimas semanas, com manifestações e conflitos que se tornarão mortíferos e um incêndio que destruiu milhares de máquinas de voto foram oportunos lembretes do quão rápido as coisas podem correr mal.

A contestação dos resultados de eleições anteriores em 2006 e 2011 provocaram violentas manifestações e há vários indícios de que a derrota dos candidatos possa dar azo a novos protestos.

O Congo é o maior país da África Subsariana e tem uma população de cerca de 80 milhões de pessoas (o último censo oficial realizou-se em 1984). A falta de estradas em vastas extensões das regiões de floresta do interior do país, os ataques de dúzias de grupos de milícias na zona oriental e um agravamento do surto de ébola, significam que a comissão eleitoral subfinanciada CENI enfrenta uma árdua tarefa.

A decisão do Governo em recusar a ajuda internacional, ao afirmar que iria comprometer a soberania nacional, também não ajudou.

O CENI vai utilizar máquinas de votação electrónicas pela primeira vez, que geraram enorme controvérsia. Os candidatos da oposição afirmam que estas máquinas são vulneráveis à manipulação de votos e podem ficar comprometidas pelo pouco fiável sistema de abastecimento energético do país.

Que desafios irá enfrentar o novo Presidente?

O próximo Presidente não vai ter mãos a medir. Quase 13 milhões de congoleses não têm o suficiente para comer, as milícias continuam a massacrar civis na zona Leste, e o surto de ébola, que já é o segundo mais mortal da história, não deve ser erradicado até meados de 2019.

Há ainda a questão do que Kabila fará depois de deixar a presidência. Se Shadary vencer, os analistas dizem que poderia continuar a interferir, mesmo estando fora de cena. Se um candidato da oposição vencer, terá que lidar com instituições repletas de seguidores de Kabila.

Reuters

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