Na sombria e evocadora Rua das Damas, em Alfama, a luz dos candeeiros vai e volta de forma intermitente, iluminando a chuva. O sítio escolhido para narrar tal crime não poderia ser mais evocativo. No início dos anos 1990, três mulheres foram assassinadas e esventradas por um homem que ficaria conhecido como o estripador de Lisboa.
“O assassino, até hoje, nunca foi descoberto”, sussurra Marco Pedrosa, antes de ler o excerto de uma carta redigida por uma filha das vítimas. O actor e guia de 42 anos é o criador dos Crimes de Lisboa — uma visita guiada por locais da cidade conotados com eventos fatídicos, organizada pela Wild Walkers.
Este passeio, explica, foi elaborado “a pensar nos portugueses”. E nos dois anos de visitas que leva, “o foco está em alguns dos eventos mais trágicos de Lisboa”. Nestas estórias que narra, apresenta pormenores sórdidos e procura ser o mais fiel possível ao que se passou. Só assim consegue transportar as pessoas para os episódios que evoca.
Ana Santos e Catarina Oliveira, de 21 anos, resolveram embarcar na aventura não sabendo o que esperar. “Sempre me interessou a parte mais sombria do ser humano”, diz Ana. “Havendo a possibilidade de aliar isso a Lisboa, achei que seria interessante." Catarina vem acompanhá-la, mas não conhece muitos crimes, ao contrário da amiga.
“Três meses depois da primeira morte, o assassino volta a matar”, conta Marco. Os pormenores sobre os crimes adensam-se quando Ana Paula, de 47 anos, uma das participantes que veio acompanhada pelas filhas, questiona incrédula: “Esta história é verdadeira?”.
O Pátio do Carrasco, dividido entre o Largo de São Martinho e a Rua do Limoeiro, é ponto de passagem da visita. O amarelo das casas com vista para o empedrado escuro do átrio ajuda a recriar o cenário que ali se vivia no século XIX. Terá sido nesse pátio funesto que viveu o último carrasco de Portugal. Ali, junto à antiga cadeia do Limoeiro, contam-se as histórias de Luís Alves, o último homem cujo trabalho era matar.
“Foi por ser algo fora do tradicional” que Marina e João Santos, 34 e 36 anos, resolveram enveredar no passeio de final de tarde. Dos crimes e acontecimentos que foram escutando, dizem que “não é propriamente uma coisa que se aprenda na escola” e que esse é o “grande atractivo”.
Da Praça do Comércio, passando pelo Largo de São Domingos, a caminhada sobe até ao miradouro do Chão do Loureiro. No antigo mercado transformado em parque de estacionamento, contemplam-se as reminiscências de uma Lisboa antiga, ao som de um encapuzado acompanhado por uma guitarra. Do nevoeiro que embruma as vistas, ganha-se uma perspectiva única da dimensão arrasadora do terramoto de 1755. Só o Convento do Carmo resistiu. Este ponto da visita serve para ilustrar a relação entre eventos trágicos e as mudanças na cidade que deles advieram.
Daí até ao Rossio, o percurso é feito debaixo de uma chuva miudinha. Catarina Maria foi uma das muitas infiéis a morrer na Praça D. Pedro IV durante o período da Inquisição. Os autos-de-fé eram uma “exibição pública do tema perante uma cidade ao rubro”, explica Marco.
Para Marco Pedrosa havia uma lacuna em Lisboa pelo facto de ainda não existir este tipo de visita. “É uma forma de mostrar os crimes reais da cidade”, diz. A ligação entre eles não é temporal. O propósito é “ir aos sítios onde ocorreram e relacioná-los”, conta.
Os bilhetes para os Crimes de Lisboa podem ser adquiridos na Ticketline (15 euros o individual e 24 euros para duas pessoas). Se quiser fazer a visita num grupo de quatro, paga 40 euros. Em Janeiro e Fevereiro o passeio será sempre às 16h30 de cada domingo.
“A nossa história está cheia de eventos trágicos. Esta é uma colectânea deles”, descreve o criador.