As entranhas americanas, outra vez
David Robert Mitchell explode em zeitgeist, até no misticismo de quem acredita que há “mistérios” por detrás disto tudo.
Um “apocalipse pop”, que vai dos jogos de computador a Kurt Cobain, passando pela Playboy, e arranca como a Janela Indiscreta de Hitchcock, com o protagonista (Andrew Garfield) a espiar a vizinhança com os seus binóculos, e depois a ficar intrigado com o desaparecimento de uma vizinha. Junte-se a isto o “paladar” da contemporaneidade, muito americana mas cada vez menos só americana, representado pelas teorias da conspiração e histórias mirabolantes que circulam pelos porões da Internet e outros fóruns, e é fácil perceber por que é que O Mistério de Silver Lake chega como hit do circuito dos “independentes” americanos: o filme explode em zeitgeist, até no misticismo de quem acredita que há mesmo “mistérios” por detrás disto tudo.
Infelizmente, não explode em mais coisa nenhuma. Para lá da malha referencial, é a enésima variação sobre a grande estranheza americana, a que se esconde nos subúrbios ou nas zonas rurais, vista pelo olhar sobranceiro do cosmopolita. Evidentemente, Mitchell não gosta por aí além daquele mundo, e, o que é pior, nem gosta especialmente das personagens, e não perde tempo a manifestar o desprezo por elas (que outra coisa significa aquele plano subjectivo durante o sexo, debaixo de um poster dos Nirvana, que é não apenas disparatado mas sintoma imediato do olhar profundamente desagradável que Mitchell tem a propor sobre a sua história?). Depois, é o desbobinar de uma história de “revelação”, cheia de tempero e caução, ao longo da qual, francamente, se sofre bastante — e não apenas pelas quase duas horas e meia que isto dura.