Ensaio: o melhor do ano
Escolhas de António Araújo e António Guerreiro.
10
24/7. O Capitalismo Tardio e os Fins do Sono
Jonathan Crary
Antígona
Jonathan Crary, mais conhecido pelos seus ensaios sobre arte e estética, descreve e analisa este fenómeno: o mundo contemporâneo permanece em funcionamento vinte e quatro horas durante os sete dias da semana, para que a produção e o consumo não tenham interrupções. Para conquistar o tempo inútil do sono, impôs à noite luzes cada vez mais fortes. A extinção da noite é um fenómeno das grandes metrópoles, como Nova Iorque, difundido como uma tendência universal. A.G.
9
História da Virilidade - Volume I. A Invenção da Virilidade. Da Antiguidade às Luzes
Georges Vigarello (org.)
Orfeu negro
Ao longo de várias décadas, Georges Vigarello tem-se destacado pelas suas inúmeras obras de história cultural centradas em tópicos como o corpo, a higiene, o desporto, a beleza, a sexualidade e as emoções. Em conjunto com Alain Corbin e Jean-Jacques Courtine produziu uma trilogia de grande alcance sobre a história do corpo e outra sobre o ideal viril desde a Antiguidade aos nossos dias. Este é o primeiro volume de uma obra que, num esforço algo "enciclopédico", procura compreender a evolução da masculinidade ocidental e das práticas e representações construídas em seu redor, à luz de uma paráfrase do célebre dito de Beauvoir: um homem não nasce homem, torna-se homem. A.A.
8
O mundo gay de António Botto
Anna M. Klobucka
Documenta
Professora no Departamento de Português da Universidade de Massachusetts Darmouth, Anna Klobucka dá à estampa um longo e informado ensaio sobre o mundo gay de António Botto, expressão que poderemos considerar anacrónica quando aplicada ao tempo do autor de Canções mas que ganha pleno sentido nesta redescoberta do universo homoerótico de um poeta por vezes considerado menor ou vulgar, mas que de modo algum é – ou foi – um marginal e um maldito. A.A.
7
Arte e Infinitude
Bernardo Pinto de Almeida
Relógio D'Água
Este livro reúne os textos das conferências que Bernardo Pinto de Almeida proferiu em Serralves, entre Novembro de 2017 e Março de 2018. É, no fundamental, um livro de estética, onde se faz uma análise do regime contemporâneo das imagens (algo já iniciado num livro de 1996, O Plano da Imagem) de maneira a elaborar, simultaneamente, uma “arqueologia da modernidade”, segundo o ambicioso programa formulado pelo autor. A.G.
6
Gorbachev. A Biografia
William Taubman
Desassossego
Autor de uma esmagadora biografia de Krutchev galardoada com o Prémio Pulitzer, William Taubman é um académico especialista na Rússia soviética que dedicou vários anos de investigação à figura de Mikhail Gorbachev. Pese a sua indisfarçável simpatia para com o seu biografado, Taubman traz-nos um retrato isento e completíssimo, porventura inultrapassável, da trajectória política e pessoal do líder da glasnost e da perestroika, a quem a História ainda não fez justiça. Mal-amado na sua terra, como todos os profetas, a lucidez e a coragem de Gorbachev são aqui reveladas com extremo rigor, num livro de leitura obrigatória em tempos de Putin e Trump. A.A.
5
Tens de Mudar de Vida
Peter Sloterdijk
Relógio d’Água
Com este título que imita de maneira provocatória os livro de auto-ajuda, o filósofo alemão Peter Sloterdijk acrescentou à sua obra grandiosa mais uma peça fundamental. A “virtude” em torno da qual gira todo o livro é a ascese, as práticas e “exercícios espirituais” que conduzem o ser humano para além das suas possibilidades. Criticando o mito do regresso da religião, Sloterdijk desenvolve aqui o seu conceito de antropotécnica, isto é, as práticas através das quais o ser humano se torna uma auto-produção. A.G.
4
Mulheres Livres, Homens Livres
Camille Paglia
Quetzal Editores
Tão popular quanto controversa, Camille Paglia reúne neste livro diversas intervenções que em comum têm o que designa por "o meu feminismo dissidente", lugar pessoalíssimo e altamente instável. Sem o fulgor de outras obras da sua autoria, com destaque para Personas Sexuais, este Mulheres Livres, Homens Livres percorre temas aparentemente díspares mas obviamente afins: o aborto, o sexo e o género nas universidades americanas, as denúncias de assédio, o ideal de beleza feminina, a educação sexual e o futuro do feminismo. Termina, não por acaso, com um breve texto sobre uma fotografia de Patti Smith tirada por Robert Mapplethorpe. Num estilo incendiário, por vezes panfletário, uma corajosa defesa da liberdade igual para mulheres e homens. A.A.
3
De Fora. Uma Filosofia para a Europa
Roberto Esposito
Edições 70
É no horizonte da “crise” europeia que o filósofo italiano Roberto Esposito propõe uma filosofia para a Europa. O que está aqui implícito é que a Europa se constituiu como “ideia”; e o que está bem explícito é que o instrumento de análise para uma interpretação da situação europeia é aquele fornecido pela filosofia. Eis a tese de Esposito: é preciso que a Europa não fique imobilizada no pensamento do seu interior, já que essa forma de se concentrar sobre si própria, fechando-se ao seu “fora”, foi o que a colocou numa órbita fatal, ao longo do século XX. A.G.
2
Continente Dividido. A Europa, 1950-2017
Ian Kershaw
Publicações Dom Quixote
Segundo volume de um díptico de grande fôlego que cobre o período de 1914 a 2017, este livro confirma o prestígio de Ian Kershaw como um dos maiores e mais prolíficos historiadores contemporâneos, a quem já devíamos uma biografia monumental de Adolf Hitler. Pelo imenso caudal de informação que consegue mobilizar numa escrita segura e luminosa, Continente Dividido é um digno sucessor de Pós-Guerra, de Tony Judt, com a vantagem de ir até aos tempos da crise de 2008 e suas sequelas e aos nossos dias sombrios, feitos de populismos e fake news. Essencial. A.A.
1
Caos e Ritmo
José Gil
Relógio d’Água
Talvez possamos apresentar este livro formulando a sua dimensão paradoxal, capaz de provocar enormes resistências: trata-se de um discurso filosófico sobre o que escapa ao logos, à razão discursiva; ou ainda: é um discurso dos conceitos (e eles vão sendo construídos ao longo de todo o livro) sobre o que não é da ordem do conceptual. Caos e ritmo são algo como uma infra-linguagem, uma "matéria não-verbal" que, no entanto, agem sobre a ordem da racionalidade. Estão do lado das forças e não das formas, mas determinam a criação artística. José Gil “desce” assim a um nível do arcaico, do inconsciente, mas fazendo um uso heterodoxo e alargado do inconsciente da psicanálise, que o leva a criar conceitos como “inconsciente da linguagem” e “inconsciente do corpo”. O corpo, nas suas manifestações menos estudadas e menos codificadas, é de facto uma matéria fundamental deste livro. E quando se chega a uma secção sobre “o corpo na arte” torna-se evidente que estamos também perante uma investigação estética e toda a questão do caos e do ritmo é o que está em acção no processo criativo. Entre a psicanálise, a antropologia, a estética e a análise da linguagem e das representações e formações imaginárias, este livro move-se em territórios estranhos e difíceis de habitar, aqueles que dão origem ao mito, à magia, ao pensamento por imagens (por oposição ao “pensamento puro”), à “lógica do delírio” (da escrita de Artaud). Este quadro teórico-conceptual desemboca numa matéria mais facilmente reconhecível, numa zona que é a “sombra” da racionalidade política: o discurso populista, o populismo e a estupidez. A.G.