Os abusos de menores foram “um fenómeno fundamentalmente anglo-saxónico”
D. Manuel Linda atribui maior parte dos casos de abuso sexual de menores a padres que já tinham deixado de o ser e garante que, em Portugal, os casos conhecidos não tiveram a “dimensão de gravidade” de que se ouviu falar no estrangeiro.
Disse, quando tomou posse como bispo do Porto, que não o chocaria o fim do celibato. Não sendo uma questão doutrinal, crê que a sua posição pode merecer acolhimento no seio da Conferência Episcopal Portuguesa?
Também acrescentei nessa altura que, no momento presente, ainda tem valor e é muito útil a existência do celibato.
Mesmo numa sociedade tão pluralista e tão secularizada como a nossa?
Talvez até mesmo por causa disso. Não só como testemunho mas como capacidade de estarmos disponíveis para aquele trabalho de que os nossos superiores precisam. Numa altura de crise social e religiosa – não vale a pena escondê-lo – mais se reclama que os principais agentes estejam, não só bem formados, como muito disponíveis. E o celibato permite essa disponibilidade.
Na formação dos sacerdotes, o que é que falhou que possa criar uma pista de interpretação em relação aos abusos sexuais de crianças?
Não sei, com toda a naturalidade o digo. Agora, este foi um fenómeno fundamentalmente de países anglo-saxónicos. Na Europa aconteceu em alguns lados - aconteceu na Alemanha - mas não aconteceu com a mesma escala que consta que aconteceu nos Estados Unidos e na Austrália. O que é que se passou? Houve uma altura, nos anos 60 e 70, em que um determinado género de psicologia falava de uma aproximação talvez demasiado íntima, afectiva, entre os mais velhos e os mais novos, até como forma de integração dos mais novos. É provável que alguns sacerdotes tenham sido vítimas dessa corrente de psicologia. E, fundamentalmente, naquela altura de instabilidade que se seguiu ao Concílio Vaticano II, alguns não encontraram mais as pedras de fundamentação nas quais assentavam os pés. Houve uma certa mudança de perspectiva da Igreja e alguns perderam a cabeça. Mas essa cabeça não foi apenas perdida a nível da sexualidade, porque a enormíssima maioria desses que cometeram abusos já não estavam no sacerdócio activo. Foram pessoas que deixaram o sacerdócio, abandonaram-no, às vezes até com muito estrondo.
Temos casos como o da Igreja chilena que não é nem anglo-saxónica nem se referia a padres que estivessem já afastados.
Não acompanhei suficientemente esse caso, mas creio que o que estava em jogo na Igreja do Chile era fundamentalmente a actuação de um padre. E um é apenas uma excepção que confirma a regra.
Nos dias 21 e 24 de Fevereiro vai haver uma reunião, em Roma, das Conferências Episcopais com o Papa Francisco e este requereu que, antes de partirem para Roma, as conferências episcopais se encontrem com as respectivas vítimas de abuso. Isto parece indicar que o Papa Francisco considera que não há nenhuma conferência episcopal que possa chegar a Roma sem apresentar vítimas.
É possível que consiga haver muitas conferências episcopais que não tenham de facto no seu território vítimas. Imagino que haja.
Acredita que é o caso da Conferência Episcopal Portuguesa?
No todo nacional, não sei…
...há casos que são conhecidos.
Aqueles dois casos – o da Madeira, com o célebre padre Frederico, e, recentemente, o caso da Guarda -, tudo leva a crer que não tenham tido aquela dimensão de gravidade de que estamos habituados a ouvir falar quando falamos de pedofilia. Talvez tenha havido alguma intimidade, mas não uma intimidade daquelas mais chocantes.
Não lhe parece que a Igreja, pela sua cristalização, corre cada vez mais o risco de não ser compreendida? Na questão dos recasados, do celibato, da ordenação das mulheres ou homens casados?
Nós somos herdeiros de uma tradição histórica, e até de estruturas - as paróquias, os templos… -, e conseguir partir de um grau zero, mais próximo do Evangelho, sem estes apêndices que nos ocupam o tempo e a mente e as preocupações não é fácil. Acredito que este esforço de ‘refontalização’, de irmos ao essencial, é uma tarefa que não está encerrada, vai dar muito trabalho.
A ordenação de homens casados poderá ficar decidida em 2019, no sínodo da Amazónia, como acredita o padre e professor Anselmo Borges?
Não sei. Isso é futurologia. Estou convencido que não.
Mas gostava que sim?
Mas não pode ser para uma determinada zona. Tem que ser para a Igreja universal. Quando se alterar a lei do celibato, tem de ser a partir de pressupostos muito bem pensados e não pode ser apenas para uma zona. Aqui não pode haver excepções.