“É preferível a segurança da democracia ao aventureirismo de realidades fora do sistema”, diz Marcelo

Nos votos de Boas Festas do Governo ao Presidente, Marcelo e Costa estiveram em sintonia quanto à estabilidade institucional entre órgãos de soberania. Costa promete a Marcelo garantir a autonomia do Ministério Público.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Na véspera dos anunciados protestos dos coletes amarelos portugueses, o Presidente da República aproveitou a apresentação de votos de Boas Festas do Governo, no Palácio de Belém, para lançar um apelo aos portugueses: “Que todos sonhem coisas diversas no quadro da democracia e nunca fora dele”.

“É preferível a segurança da democracia, na diversidade de opiniões, ao aventureirismo de realidades fora do sistema”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa no final de uma intervenção onde defendeu que Portugal deve recordar-se da experiência da ditadura ainda recente para “não querer ensaiá-la outra vez”.

Marcelo e Costa estiveram em sintonia quanto à estabilidade institucional em que o país tem vivido durante esta legislatura, mas o Presidente da República acrescentou aos votos de bom relacionamento político a sua preocupação com alguma instabilidade social, sobretudo a inorgânica, aquela que não surge enquadrada nos movimentos sindicais e associativos tradicionais.

 “A grande riqueza da democracia é a capacidade de ir encontrando fórmulas de gerir vários pontos de vista, a expressão da diversidade dentro do sistema democrático, não à margem dele”, sublinhou. “Essa é a diferença em relação às ditaduras, as ostensivas ou as disfarçadas, e muitas vezes não se tem presente a diferença entre uma realidade e outra”, frisou, alertando para o risco de, “a pretexto de ensaiar novas fórmulas na margem da democracia, rapidamente resvalar para ditaduras”, como tem acontecido noutras geografias.

Alertas vermelhos para protestos amarelos que, no entanto, não desarmam a confiança do Presidente: “Os portugueses têm demonstrado um grande bom senso nas últimas décadas: não trocam a democracia por uma ditadura nem por uma democracia dita iliberal”.

Antes, o primeiro-ministro tinha posto o acento tónico na estabilidade política e no “bom relacionamento institucional entre órgãos de soberania”, em particular com o poder judicial, onde sublinhou “a garantia escrupulosa da independência dos tribunais e da autonomia do Ministério Público, que são condições fundamentais do primado do Estado de Direito, da responsabilidade do Estado e do combate à corrupção”. Em plena polémica sobre as alterações à composição do Ministério Público propostas pelo PSD, Costa quis assim descansar Marcelo sobre o tema.

O Presidente também tinha uma mensagem sobre o assunto, e mesmo antes de levar o discurso para os perigos que espreitam a democracia, sublinhou que “o relacionamento institucional não pára nas relações entre Presidente da República e o Governo, alarga-se a outros órgãos de soberania como a Assembleia da República e os tribunais, uma vez que os tribunais são órgãos de soberania”.

As pitonisas da Constituição

O assunto voltaria à baila duas horas mais tarde, quando o Presidente recebeu, para um ritual idêntico, os representantes da Assembleia da República: presidente e vice-presidentes – entre os quais Jorge Lacão -, líderes parlamentares e secretários da mesa. Depois de Marcelo se ter manifestado contra as mexidas no Ministério Público por “inoportunidade política” e Lacão ter considerado que isso representava uma tentativa de condicionamento do parlamento, o assunto tornou-se incontornável na sessão de cumprimentos.

Logo de início, Ferro Rodrigues centrou a sua intervenção na importância dos parlamentos nas democracias: “Um parlamento livre, com capacidade de definir as suas próprias posições é absolutamente indispensável para a vida democrática”, afirmou. Marcelo não podia estar mais de acordo, mas, enaltecendo o papel dos deputados, sublinhou que eles devem encontrar “as soluções teoricamente melhores, mas ao mesmo tempo realistas e oportunas, porque às vezes a substância perde-se no erro de oportunidade ou de forma”.

No momento dos abraços, Marcelo não resistiu a brincar com Jorge Lacão, chamando-lhe “o articulista-mor do Reino”, numa alusão ao artigo que escreveu para o PÚBLICO com o título Assim não, senhor Presidente. “Mas são precisas pessoas assim, uma espécie de pitonisas da Constituição”, acrescentou ainda, fazendo rir toda a gente e Lacão em particular.

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