Para bom entendedor, três palavras bastaram

Há nos dois principais partidos políticos quem não consiga dar-se bem com a ideia de um Poder Judicial independente.

O debate na generalidade da proposta de Estatuto do Ministério Público foi mais um sinal muito revelador do “bloco central de interesses” que sempre se forma quando da justiça se fala em Portugal.

A atual composição do Conselho Superior da Magistratura, com uma maioria de não magistrados, viola frontalmente os standards europeus de independência do Poder Judicial. Não são só os magistrados portugueses que o dizem – esta composição do CSM já levou o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a condenar o Estado Português por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a última das quais no passado mês de novembro.

Mais, numa resposta àqueles que rapidamente rotulam de “corporativista” qualquer alerta que seja feito neste sentido, o GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção, do Conselho da Europa) deixou bem claro que este é um ponto fundamental na luta contra a corrupção e que Portugal, ao manter a composição do CSM conforme atualmente está, não cumpre os requisitos mínimos de um sistema eficaz de combate àquele fenómeno. No seu quarto relatório sobre prevenção de corrupção entre membros do Parlamento, Juízes e Procuradores (adotado em dezembro de 2017), o GRECO conclui claramente que Portugal continua a não cumprir as suas recomendações, por manter um CSM em que a maioria dos membros não são magistrados.

Ora, é precisamente perante este cenário que os dois principais partidos políticos, em vez de cuidarem de adequar o quadro institucional do Poder Judicial em Portugal aos standards europeus, dão sinais claros de pretenderem fazer o caminho inverso, comprometendo ainda mais a sua independência.

A proposta feita pelo PSD no debate sobre o novo Estatuto do Ministério Público, no sentido de alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público de forma a passar a ter uma maioria de não magistrados é, por isso, não apenas demonstradora de um total desconhecimento do que deva ser o sistema de justiça numa sociedade democrática, mas também uma perigosa revelação do seu pensamento quanto à relação entre poderes.

Mais perigoso ainda é ter o PS, em reação àquela proposta, demonstrado abertura para a sua discussão.

O quadro institucional do Poder Judicial em Portugal carece de uma consagração constitucional firme e que o proteja de variações conjunturais e alterações ao sabor de maiorias transitórias ou de reações políticas a processos judiciais concretos. Há anos que as associações de magistrados o reclamam e vários organismos europeus o defendem.

Numa conferência internacional organizada pelo Conselho da Europa em Belgrado no passado dia 7 de dezembro (para a qual a MEDEL foi convidada), sobre prevenção da corrupção e influências ilegítimas sobre o Ministério Público, o esquema institucional do Ministério Público português, a par do italiano, foram mais uma vez apontados como exemplo.

Infelizmente, há nos dois principais partidos políticos portugueses quem não consiga (ou não queira) dar-se bem com a ideia de um Poder Judicial verdadeiramente independente. A justificação de Jorge Lacão, do PS, para equacionar a alteração da composição do CSMP foi “garantir que o MP atua com legalidade, eficácia e rigor”. Para bom entendedor, estas três palavras bastam...

Podem os magistrados do Ministério Público portugueses estar certos de uma coisa: a MEDEL – Magistrats Européens pour la Démocratie et les Libertés, as suas 23 associações vindas de 16 Estados europeus e os mais de 15 mil magistrados que agrega, não deixarão de estar ao seu lado na defesa intransigente da independência do Poder Judicial, denunciando este ataque aqui em Portugal e em todos os fóruns e instituições internacionais.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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