Maria de Belém critica ministra: “Uma proposta não se mede em extensão, mas em conteúdo”
Marta Temido está a debater a Lei de bases da Saúde com Maria de Belém, numa sessão pública na sede nacional do PS.
Maria de Belém Roseira, coordenadora da comissão de revisão da Lei de Bases da Saúde, criticou duramente a actual ministra da Saúde, Marta Temido, pela proposta de Lei de Bases que o Governo aprovou em Conselho de Ministros na semana passada.
Num debate que o PS promove esta tarde na sede nacional do partido, no qual participa também a actual responsável pela pasta, a ex-ministra da Saúde lembrou que a comissão foi criada pelo anterior ministro Adalberto Campos Fernandes e que o processo contou com a audição de várias personalidades e representantes de várias entidades e que esteve em consulta pública. Maria de Belém acrescentou que o documento que apresentou ao Governo integrou vários contributos.
“Um processo conduzido com transparência e muita participação foi considerado inadequado, porque uma nova ministra considerou que o trabalho feito não estava de acordo com o que considera que deve ser uma lei de bases”, afirmou Maria de Belém Roseira. A assistir ao debate está também o anterior ministro Adalberto Campos Fernandes.
“Não estou a discutir a proposta de lei de bases de um partido. Estou a discutir uma nova lei de bases para Portugal”, afirmou a coordenadora da comissão de revisão, já depois de Marta Temido ter apresentado as linhas gerais da proposta do Governo e ter defendido que a proposta de lei que apresentou é “ideologicamente coerente com o que é defendido pelo PS e pelo Governo”.
A ex-ministra da saúde continuou, afirmando que o anterior ministro nunca interferiu no trabalho da comissão. “Com a mudança no Governo, a actual ministra, que tem uma visão diferente da minha do que deve ser uma lei de bases, entendeu reformular a proposta e, apesar de manter algumas das frases, decidiu passar de 59 bases para 28.” “Podia ser irrelevante, mas em direito e em política não é irrelevante. Disse que a nossa proposta era muito extensa. Uma proposta não se mede em extensão, mas em conteúdo”, afirmou Maria de Belém Roseira.
Antes, a ministra da Saúde defendeu que a proposta de Lei de Bases da Saúde do Governo é ideologicamente coerente com o que é defendido pelo PS e que defende os princípios que o Governo quer afirmar na área da saúde.
“Porque é que esta é boa proposta? Diria que a resposta, na minha perspectiva, é simples. Porque esta é uma lei ideologicamente coerente com o que é defendido pelo PS e pelo Governo, que acredita que o Estado tem papel muito importante como redutor das desigualdades”, afirmou Marta Temido. decorrer nesta terça-feira, na sede nacional do PS, sobre a proposta do Governo.
“Acredito que esta lei prova os princípios socialistas e os princípios que queremos afirmar em matéria da saúde”, afirmou Marta Temido, acrescentando que esta proposta é boa porque respeita os princípios básicos do que deve ser uma Lei de Bases da Saúde: “concisa” e “capaz de resistir melhor à passagem do tempo”.
Para a ministra da Saúde, esta é uma “proposta que honra o legado de António Arnaut”, conhecido como “pai do Serviço Nacional de Saúde" (SNS). “Temos a firme convicção que é um dos exemplos de que a democracia faz bem à saúde”, afirmou, acrescentando: “Boas leis fazem bem à democracia e esta é uma boa lei que fará bem à democracia”.
Numa sessão da iniciativa Portas Abertas, do PS, um debate sobre proposta Lei de Bases da Saúde do Governo, Marta Temido justificou o porquê da necessidade da mudança da lei (a actual é de 1990). “No momento em que o SNS está prestes completar 40 anos, e deu tantas provas de fazer parte da nossa identidade, importa corrigir a descaracterização e reducionismo da actual lei”, considerou Marta Temido, lembrando que nesta proposta caem as referências que existem na actual lei de que o Estado apoia o desenvolvimento do privado e a mobilidade dos profissionais de saúde.
Na assistência estão Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde que ocupou a pasta neste Governo, antes de Marta Temido, e Maria de Belém Roseira, também ex-ministra da Saúde e coordenadora da comissão de revisão da Lei de Bases da Saúde criada pelo Governo.
'O SNS está doente, mas está forte e resistente'
Adalberto Campos Fernandes acabou por ser chamado a participar no debate. O antigo ministro, que foi substituído em Outubro, afirmou que o problema do SNS é a falta de investimento nas infra-estruturas e nos recursos humanos.
“A Lei de Bases não vai ser o alfa nem o ómega para a resolução dos problemas do SNS. É preciso que os portugueses todos reclamem que o problema essencial do SNS, hoje, é a falta de investimento em infra-estruturas e equipamentos e também a falta de investimento no edifício das profissões. Que tenha carreiras que são carreiras livres, que permitam a diferenciação, a vontade de trabalhar no SNS não porque estão presos os profissionais, sequestrados ou retidos, mas porque gostam”, afirmou.
Adalberto Campos Fernandes disse não se querer imiscuir “sobre a versão minimalista e maximalista” da proposta e afirmou confiar no Parlamento.
“Parece que no PS todos estão de acordo com a necessidade de apresentar uma lei de bases. O PS tem obrigação de ter uma proposta de lei que seja sua e isso não significa que não deva não ser discutido com pessoas que não são do PS”, acrescentou o ministro. “Esta lei é para os nossos filhos e para as gerações daqui a 20 ou 30 anos. O SNS está doente, mas está forte e resistente.”
Ana Jorge, ex-ministra da Saúde, deixou um alerta: “Talvez pela primeira vez isto é matéria de comunicação social. Talvez a população perceba que está em risco de perder o serviço público de saúde”.
“O PS tem obrigação de o manter. Talvez seja altura de voltar a ter um SNS. Há princípios básicos que estão aqui em causa e convém que, na Assembleia da República, os deputados possam fazer a sua leitura”, disse a ex-ministra, afirmando esperar que “que a lei de bases seja suficientemente forte, mas sem esquecer os princípios básicos que permita que o SNS seja para todos e de qualidade.
'Todos gostaríamos de ter mais meios'
No final do debate, em resposta às questões colocadas pelos jornalistas, Marta Temido disse não ter entendido as declarações de Maria de Belém Roseira como uma crítica. “Entendi que este processo que agora vai decorrer é um processo democrático, construtivo, de troca de ideias em que o trabalho da comissão é um aporte fundamental para que as diferentes perspectivas possam alimentar positivamente o debate que vai acontecer na Assembleia da República. Não tenho nada que me leve a dizer que é uma crítica, é uma opinião diferente", disse a ministra.
Para a ministra da Saúde, a proposta do Governo não cortou no essencial, “ela é o essencial”. Sobre se é uma viragem do PS à esquerda no que diz respeito ao SNS, Marta Temido afirmou que “houve uma preocupação de conseguir que esta proposta regressasse à essência dos princípios constitucionais sobre o direito à protecção da saúde”. “Penso que o que nos divide não é uma questão de princípios, é uma questão do que alguns gostariam de ver citado com maior pormenor e outros que entendem que uma lei de bases não é a sede própria”, acrescentou, garantindo que tem o total apoio do primeiro-ministro em relação à proposta que apresentou.
Marta Temido foi também questionada sobre as declarações do seu antecessor, que veio agora reconhecer a falta de investimento no SNS. “Todos nós, que somos hoje ministros ou que fomos no passado, gostaríamos de ter mais meios, mais recursos para fazer funcionar os nossos sectores. Disse-o no passado, o dr. Adalberto disse-o hoje. Se há coisa que estes dois meses me mostraram é que terei sempre um maior respeito por aqueles que algum momento ocuparam este lugar que é extraordinariamente difícil. Compreendo que todos gostássemos de ter mais meios, mas acho que o essencial neste momento é gerirmos eficientemente os meios de que dispomos e sermos mais eficientes em termos sociais para gerar mais riqueza que possa ser canalizada para os serviços públicos que queremos reforçar”, rematou.
Cuidadores informais de fora
A proposta de Lei de Bases da Saúde do Governo foi aprovada no dia 13 em Conselho de Ministros. O documento mantém a existência de taxas moderadoras, com isenções e limites máximos de pagamento, e a possibilidade de unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderem ser geridas por entidades privadas ou do sector social, embora refira que essa gestão é supletiva e temporária.
O diploma faz ainda referência à existência de valores mínimos de financiamento para a saúde e quanto à relação entre o sector público, privado e social diz que deve ser de cooperação. Abre também a porta à exclusividade dos profissionais, ao referir que se deve evoluir progressivamente para a criação de mecanismos de dedicação plena ao exercício de funções públicas.
Mas deixou de fora, em relação à proposta da comissão de revisão da Lei de Bases da Saúde, criada pelo Governo e coordenada por Maria de Belém, o artigo que previa que a lei estabelecesse o estatuto dos cuidadores informais e reconhecesse o “importante papel” dos mesmos. Ausência criticada por Maria de Belém, por diversas associações e pelo anterior secretário de Estado da Saúde Fernando Araújo.
Em declarações à agência Lusa, a ministra da Saúde, Marta Temido, considerou que não fazia sentido detalhar na Lei de Bases um estatuto do cuidador informal, que é uma matéria que tem intervenção de vários sectores.
Aquando da apresentação pública, a ministra da Saúde afirmou que a proposta do Governo “tem por base o contributo que foi elaborado pela comissão de revisão para a Lei de Bases da Saúde”, mas refirmou que esta é uma “proposta é do Governo”. “Penso que em nenhuma outra circunstância ninguém esperou que o Governo importasse ipsis verbis aquilo que é uma proposta que lhe chega de um grupo que considera e por isso o designou”, disse Marta Temido aos jornalistas.
A forma concisa adoptada pelo Ministério da Saúde não agradou a Maria de Belém. Numa primeira apreciação do diploma aprovado, a ex-ministra da Saúde considerou que é dado pouco ênfase à prevenção da doença e à promoção da saúde. “É uma lei técnica de saúde, mas não é uma proposta de Lei de Bases da Saúde”, afirmou.
A coordenadora da comissão de revisão não esteve presente na apresentação pública da proposta, justificando a sua ausência com a participação no evento televisivo que já estava marcado. E deixou duras críticas à forma como foi convidada para a apresentação da proposta do Governo. “Um convite que é dirigido para uma cerimónia desta natureza, para uma apresentação de uma Lei de Bases, em que eu tive uma participação tão activa, justificaria um convite personalizado. Não tendo existido, não era necessário que eu lá estivesse presente”, disse à SIC Notícias.
A proposta do Governo terá agora de ser discutida na Assembleia da República, onde já deram entrada as propostas do BE e do PCP. Os dois partidos já se mostraram críticos do diploma aprovado em Conselho de Ministros.