Novo relatório revela maior dimensão da interferência russa nos EUA
Documento da Universidade de Oxford entregue ao Senado norte-americano diz que houve uma campanha de desinformação para além do Facebook e do Twitter e critica resposta "tardia e descoordenada" das empresas.
Um novo relatório feito a pedido do Senado norte-americano diz que a campanha de interferência russa antes, durante e depois das eleições presidenciais nos EUA, em 2016, foi mais abrangente do que se pensava. Segundo os autores do estudo, os responsáveis pela campanha de desinformação criaram contas e páginas em todas as principais redes sociais, e não só no Facebook e no Twitter, "para beneficiarem o Partido Republicano – e especificamente Donald Trump".
O relatório, feito pelo Projecto de Propaganda Computacional da Universidade de Oxford e pela empresa de análise de redes sociais Graphika, vai ser divulgado até ao final da semana pela Comissão de Serviços Secretos do Senado, em conjunto com outro estudo cujo conteúdo não é ainda conhecido do grande público.
As conclusões do relatório da Universidade de Oxford e da Graphika foram avançados esta segunda-feira pelo jornal Washington Post.
Armas e imigração
No centro da campanha de interferência, segundo o relatório, está a empresa russa Internet Research Agency, com sede em São Petersburgo. Esta empresa e 13 cidadãos russos foram acusados formalmente pelo Departamento de Justiça norte-americano, em Fevereiro passado, de interferirem de forma criminosa nas eleições de 2016.
O estudo da Universidade de Oxford e da Graphika foi feito a partir de milhões de mensagens, vídeos e fotografias publicados até meados de 2017 e enviados ao Senado pelo Facebook, Twitter e Google. A partir daí, os investigadores puderam também avaliar o alcance da campanha de desinformação em serviços como o Instagram (detido pelo Facebook), o Youtube e o Google+ (da Google), mas também no Tumblr e no Pinterest, por exemplo.
"O que é evidente é que as mensagens procuraram beneficiar o Partido Republicano – e especificamente Donald Trump", dizem os autores do relatório, segundo o Washington Post. "Trump é referido na maioria das campanhas direccionadas a eleitores conservadores e da direita, com as mensagens a encorajarem estes grupos a apoiarem a sua campanha. Os grupos que poderiam opor-se a Trump recebiam mensagens destinadas a confundi-los, distraí-los e, em última análise, a desencorajá-los de votarem."
Segundo o Washington Post, o relatório diz que as mensagens direccionadas aos eleitores conservadores centravam-se em temas como o controlo das armas e a imigração, enquanto as mensagens direccionadas ao eleitorado afro-americano, por exemplo, tinham como objectivo "minar a sua fé no processo eleitoral e disseminar informação enganosa sobre como votar".
Resposta "tardia e descoordenada"
O relatório acusa também as gigantes norte-americanas de tecnologia de terem dado uma resposta "tardia e descoordenada" quando já havia sinais de que estava em curso uma campanha de desinformação nas redes sociais.
Os autores do relatório dizem que a informação entregue ao Senado pelas empresas, em meados de 2017, contêm provas de "descuido" por parte dos russos, incluindo o uso de rublos para a compra de anúncios e números de telefone e moradas na Rússia – informações que, segundo o relatório, seriam suficientes para fazer soar os alarmes nas empresas norte-americanas antes e durante as eleições de 2016.
Os autores do estudo dizem que as 20 páginas de Facebook mais populares geridas pela empresa russa ("Being Patriotic", "Heart of Texas", "Blacktivist" e "Army of Jesus", entre outras) geraram 39 milhões de "likes", 31 milhões de partilhas e 3,4 milhões de comentários. No Instagram a empresa russa chegou a gerir 133 contas.
Investigação reaberta?
Apesar de ser responsável pela divulgação do relatório, a Comissão de Serviços Secretos ainda não disse se concorda com as conclusões. Tal como qualquer outra comissão do Senado ou da Câmara dos Representantes, a Comissão de Serviços Secretos é constituída por senadores do Partido Republicano e do Partido Democrata, e é liderada por um senador republicano porque é este o partido que está em maioria no Senado.
A investigação desta comissão é apenas uma de muitas que foram abertas no ano passado sobre as suspeitas de interferência russa nas eleições de 2016 nos EUA – também a Câmara dos Representantes e o Departamento de Justiça, através da equipa do procurador especial Robert Mueller, estão a investigar essas suspeitas.
Mas a comissão do Senado tem actuado com mais colaboração entre os membros dos dois partidos do que a comissão da Câmara dos Representantes.
Em Março, a Comissão de Serviços Secretos da câmara baixa do Congresso norte-americano, liderada pelo republicano luso-descendente Devin Nunes, deu por terminada a sua investigação, concluindo que houve interferência russa, mas que essa interferência teve como objectivo semear a divisão, e que não há indícios de conluio entre as duas partes.
Por seu lado, a comissão do Senado não só se mantém aberta, como os seus membros disseram, em Julho, que as agências de serviços secretos do país têm razão quando acusam a Rússia de interferir em benefício de Trump.
Uma das consequências negativas para a Casa Branca da vitória do Partido Democrata nas eleições para a Câmara dos Representantes, no mês passado, é que vários congressistas já prometeram reabrir a investigação que foi dada como concluída pela maioria republicana em Março passado.