Protesto contra “lei dos escravos” torna-se cerco a deputados da oposição

Parlamentares queriam ler cinco reivindicações dos manifestantes que há cinco dias protestam em Budapeste - protestos que chegaram a ter 15 mil pessoas e que os media do país estão a ignorar.

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A deputada independente Bernadett Szel, expulsa do edifício da TV publica de manhã, discursa na manifestação desta segunda-feira à noite Balazs Mohai/EPA

Os protestos contra uma alteração da lei do trabalho na Hungria transformaram-se num protesto pela liberdade de imprensa. Isto depois de um grupo de 12 deputados da oposição tentar ser ouvido pela estação de televisão pública MTV para dizer cinco reivindicações dos protestos, ignorados pela emissora. O que aconteceu a seguir? Seguranças da televisão agrediram dois deles e expulsaram-nos, enquanto outros dez se mantiveram no edifício desde domingo até esta segunda-feira à noite. Também esta situação inédita foi ignorada nas notícias da MTV.

O que fez detonar estes protestos, únicos porque juntam toda a oposição, da direita à esquerda, foi uma alteração na lei do trabalho que prevê que os húngaros possam trabalhar até mais 400 horas por ano, ou seja, duas horas por dia (ou um dia extra de trabalho por semana) com a possibilidade de as empresas adiarem o pagamento até três anos. Os críticos chamam-lhe “a lei dos escravos”.

“Ele [o primeiro-ministro Viktor Orbán] fez algo que aborreceu um grande segmento da população, mesmo os seus próprios apoiantes”, disse o analista político Gábor Gyori, do centro de estudos Policy Solutions, à rádio pública norte-americana NPR.

Uma sondagem do centro de estudos liberal Instituto Republikon mostra que 63% dos apoiantes de Orbán, eleito para um terceiro mandato consecutivo em Abril, criticam esta medida, e mais de 95% dos seus opositores também.

Mas ela é necessária porque o país precisa de mão-de-obra, depois de uma vaga de emigração sobretudo de jovens qualificados, que são mais bem pagos noutros países (e a política anti-imigração de Orbán torna difícil preencher a carência com mão-de-obra estrangeira).

À imprensa estrangeira, o Governo diz que as manifestações são instigadas por George Soros, o multimilionário filantropo cuja Universidade está em processo de mudar de Budapeste para Viena após pressão do Executivo e que tem sido o "inimigo público número um" de Orbán.

A última vez que houve oposição tão forte foi em 2014, contra um plano de um imposto sobre o tráfego de internet, que o Executivo acabou por abandonar depois de manifestações de dezenas de milhares de pessoas.

As manifestações actuais chegaram no domingo ao número mais alto de participação, com 15 mil pessoas, mas alguns analistas dizem que o mais relevante é decorrerem todos os dias desde quarta-feira, sob um blackout dos media e temperaturas abaixo de zero, e unirem uma oposição muito fragmentada, da esquerda à direita nacionalista. “É uma massa significativa, no sentido de que parece ser uma oposição comprometida contra o Governo”, disse ao New York Times o analista Peter Kreko, do centro de estudos Political Capital. “Quanto tempo irá durar, não sabemos”.

No domingo, uma parte dos manifestantes foi até à sede da empresa de rádio e televisão estatal, já nos arredores da cidade, gritando: “fábrica de mentiras”. Os media estatais são o símbolo do apoio a Orbán, enquanto os media privados estão nas mãos de aliados do primeiro-ministro.

Enquanto isso, alguns deputados da oposição entraram no edifício para pedir cobertura dos protestos e a leitura de uma lista de cinco reivindicações dos manifestantes, incluindo a revogação da “lei dos escravos” e o regresso a um sistema judicial e de media públicos independentes.

A emissora ignorou a presença dos deputados e a segurança expulsou mesmo dois dos deputados independentes, Akos Hadhazy e Bernadett Szél. As imagens de Hadhazy a ser agarrado por seguranças por mãos e pés e arrastado com brutalidade para fora do edifício, depois de caído no chão (antes tinha sido agredido) foram “uma exibição rara do controlo de Orbán sobre o acesso dos húngaros à informação”, comentava o New York Times.

Um outro grupo, de dez deputados, tinha-se conseguido manter no interior do edifício, numa sala de maquilhagem, e argumentando que têm imunidade parlamentar, relatam ter pedido protecção policial. Esta foi negada.

No Twitter, o analista Peter Kreko afirmava que este “é um novo nível, mais perto da Rússia”. “[Os deputados] têm o direito de entrar no edifício e não fizeram nada violento”, sublinha.

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