Dispararam os pedidos de nacionalidade portuguesa feitos por britânicos
Este ano quase 500 britânicos pediram nacionalidade, mais 48,6% do que em 2017. Há dez anos tinham sido apenas 29. "Brexit" motivou Jonathan Weightman a tornar-se português. Reformado, já vai votar nas próximas eleições.
Ao fim de 30 anos a viver em Portugal, o britânico Jonathan Weightman recebeu o seu cartão de cidadão português há duas semanas.
Foi um processo iniciado há dois anos, altura em que o referendo no Reino Unido deu a vitória ao “Brexit”. Agora, Jonathan Weightman (na fotografia em baixo), reformado como professor na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 70 anos, já vai conseguir exercer os seus direitos, votando em todas as eleições portuguesas.
Por estar a viver fora do Reino Unido há mais de 15 anos, este também actor e encenador na companhia Lisbon Players não teve uma palavra a dizer sobre o “Brexit”, não pôde votar, lamenta.
Já em Portugal, tal como outros imigrantes europeus, só tinha direito ao voto nas eleições europeias e autárquicas.
Weightman é um dos vários britânicos que engrossaram as estatísticas dos pedidos de nacionalidade portuguesa. Só este ano foram 495 os que o fizeram. São mais 48,6% do que em 2017, mostram dados do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) compilados até à passada quinta-feira e enviados ao PÚBLICO pelo Ministério da Justiça.
Em 2015, houve 62 pedidos. A curva tem vindo a subir expressivamente desde o ano do referendo, 2016, quando se registaram 144 pedidos. No ano seguinte foram já 333. Há dez anos o IRN tinha recebido apenas 29.
Outra forma de comparar o “disparo”: 2018 teve mais de um terço dos pedidos acumulados desde 2007 — somados dão 1442. Em Espanha, segundo uma notícia do El País, nos dez primeiros meses deste ano houve apenas 166 britânicos a quererem ser espanhóis.
Embora não tenha feito um estudo de opinião, o sociólogo José Carlos Marques, especialista em migrações e investigador no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, calcula que o aumento tão expressivo em Portugal esteja ligado ao “Brexit” e à necessidade de os britânicos que aqui vivem de “assegurarem que os seus direitos enquanto cidadãos” serão “salvaguardados”, protegendo-se, independentemente do acordo.
“Há incerteza sobre qual será o estatuto dos britânicos na União Europeia e dos europeus na Grã-Bretanha. Grande parte do acordo está pensado para as migrações laborais e essa não será a situação da maioria dos britânicos em Portugal, porque o grosso está próximo da reforma ou na reforma.” De qualquer forma, nota, esta é uma comunidade pouco estudada no país.
De facto, olhando para os dados totais dos imigrantes britânicos residentes em Portugal, em números brutos os pedidos de nacionalidade acumulados (os tais 1442 desde 2007) têm pouco peso: em 2017 havia 22.431 britânicos residentes, sendo uma das 10 nacionalidades no top da imigração, o que representa 5,3% do total.
“Provavelmente alguns não vêem vantagem acrescida em pedir a nacionalidade, muitos estão na reforma ou pré-reforma e, para esses, talvez não seja tão determinante”, afirma o sociólogo.
“Noutros casos poderão estar a aguardar para ter mais informação”, continua. “Será interessante verificar durante o próximo ano, com a situação mais clarificada, qual a evolução que estes pedidos vão ter.”
Os cidadãos da União Europeia são os que têm menor expressão nas concessões de nacionalidade portuguesa: apesar de representarem em 2016 quase 30% do total dos estrangeiros em Portugal, corresponderam nesse ano a uma fatia de apenas 4,3% do total de cidadãos que adquiriram a nacionalidade portuguesa, refere o relatório Acesso à Nacionalidade Portuguesa: 10 anos da Lei em Números, do Observatório das Migrações. “Os direitos a que já têm acesso na sua condição de imigrante não os mobilizam para percepcionarem como valor acrescido a aquisição da nacionalidade”, descreve.
Por outro lado, apesar de uma subida “surpreendente desde 2008” nas concessões de nacionalidade, diz ainda o relatório, Portugal representava apenas 2,4% do total de concessões de nacionalidade da União Europeia em 2015, ficando muito aquém de países como a Itália — que estava em primeiro lugar, com 21,2% de todas as atribuições —, o próprio Reino Unido, com 14%, e a Espanha, com 13,6%.
E não é que o processo de aquisição tenha sido difícil para Jonathan Weightman: foi, sim, longo, exigiu papelada (como certificado de registo criminal em todos os países onde o viveu) e um teste de português (que é “fácil, diz, foi a única vez na vida em que tive 100%”). “Mas não existe um teste de cidadania como na Inglaterra, não tive que responder a questões sobre Portugal, sobre a cultura e o sistema político — sei como são ridículas as perguntas que colocam na Inglaterra sobre a família real, etc...” No seu círculo em Portugal, diz que conhece vários britânicos que estão a seguir o mesmo caminho que ele.
Independentemente de estar satisfeito por ter a nacionalidade portuguesa, Jonathan Weightman acha “um horror o que está a acontecer”: o “Brexit” “fomenta a xenofobia, o racismo, e é mau para a economia”. Conclui: “Estou muito zangado.”