Os centros de dia atraem cada vez menos idosos, mas os lares estão cheios

Taxa de cobertura média dos equipamentos para idosos era de 12,7% em 2017. Há respostas em todo o território, mas a população concentra-se no litoral

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Andre Rodrigues

A última Carta Social destapa uma tendência na rede de serviços e equipamentos de Portugal continental. No ano passado, a ocupação média dos centros de dia rondava os dois terços. Tornaram-se antecâmaras de lares cheios, sobretudo, de pessoas com algum tipo de demência.

A Carta Social é um relatório anual que faz o retrato da rede de serviços sociais existente no país. A última mostra que a taxa de cobertura média dos serviços destinados a idosos no território continental era de 12,7% em 2017. Quer isto dizer que, se todas as pessoas com mais de 65 anos quisessem aceder à rede de serviços e equipamentos para idosos, só 13 em cada 100 encontrariam resposta.

Recuando dois anos verifica-se que a taxa era rigorosamente igual. O que se passa? “O aumento acelerado da população com 65 ou mais anos tem condicionado o crescimento da taxa de cobertura destas respostas”, lê-se no relatório.

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A culpa não é só da demografia, nota António Fonseca, professor associado da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, especializado em envelhecimento, saúde e bem-estar. Entre 1991 e 1998 houve uma evolução progressiva de equipamentos e serviços destinados aos mais velhos, como lares, centros de dia e apoio domiciliário. A tendência manteve-se na década seguinte. Entre 2000 e 2015, estas respostas cresceram 55%. A partir daí, estabilizaram. “A estrutura está fundada na solidariedade social, mas é o Estado que financia.”

Houve um generoso financiamento comunitário até 2015. “O novo quadro comunitário não tem verbas para isso”, sublinha Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas. A falta de fundos da União Europeia, conjugada com outros factores, como a pouca disponibilidade financeira das famílias e o aumento das demências, faz com que as instituições de solidariedade não se mostrem disponíveis para investir em novos equipamentos.

Taxa de ocupação de lares em 92,6%

A taxa de ocupação dos lares de idosos estava nos 92,6%. Isso, segundo explica Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), significa que estão cheios. Há sempre um pequeno número de vagas, porque há sempre pessoas que vão morrendo.

A ocupação média dos centros de dia é que estava nos 64,2% e a do serviço domiciliário nos 71,1%. Os autores do relatório referem como uma das explicações “o aumento das necessidades dos utentes, associadas à aceleração do envelhecimento da população, transferindo a procura para respostas que implicam a institucionalização, designadamente para Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas ou para unidades da Rede Nacional de Continuados Integrados”.

Cristaliza-se a imagem de centros de dia idosos repletos de pobres, observa Fonseca. A imagem estereotipada dos velhinhos sentados em toda a volta com um televisor ligado torna-se cada vez mais comum. Acabam, corrobora Maia, por ser lugares pouco atractivos para idosos mais dinâmicos.

Os centros de dia tornaram-se numa espécie de antecâmara para os lares, observa Fonseca. “São uma cunha para ter vaga”, reconhece Lemos. E "é uma dificuldade levar as pessoas para os centros de dia porque muitas estão frágeis”, admite. “Têm dificuldade em ir, o que obriga instituições a fornecer transporte.”

O serviço domiciliário não serve para todos os que precisam de cuidado. A resposta é muito tipificada, critica Fonseca. Apesar de as pessoas terem idades cada vez mais avançadas e necessitarem de cada vez mais cuidados, raramente incorpora cuidados de saúde ou outros serviços que não higiene e alimentação. O especialista aponta outro problema: amiúde, o serviço domiciliário não funciona ao fim-de-semana, nem à noite.

Manuel Lemos detecta os mesmos constrangimentos: O sistema assenta na ideia de que “ao sábado e ao domingo está a família, só que a família pode estar longe ou ter outras prioridades”. Para se sentirem mais seguros, preferem estar num lar.

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Aumentar número de lares?

Há respostas para idosos por todo o território continental (236 concelhos têm dez ou mais respostas), mas a população concentra-se no litoral. As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto acabam por ter taxas de cobertura abaixo da média. O mesmo acontece com a região algarvia. 

Não ficam as vagas dos lares do interior por preencher. Há, nas palavras de António Fonseca, “importação de idosos do litoral”. O problema, lamenta Manuel Lemos, é a distância que isso muitas vezes cria entre os idosos e os familiares. Isso leva alguns a aparecer só nas férias do Natal ou da Páscoa ou do Verão.

Na opinião de Fonseca, mais importante do que continuar a aumentar o número de lares que existem é repensar a rede. Os idosos institucionalizados hoje são diferentes dos de há dez ou há 20 anos. Estão bem mais envelhecidos e dementes. Urge, avisa, criar respostas diferenciadas.

Esse caminho também tem vindo a ser defendido por vários líderes do chamado terceiro sector. A União das Misericórdias encomendou um estudo que envolveu 1503 idosos de 23 instituições. Essa pesquisa, divulgada em 2016, concluiu que nove em cada dez idosos residentes em lares têm alterações cognitivas – dentro deste grupo, 78% sofrem de algum tipo de demência.

Para o outro extremo demográfico, a Carta Social traz uma boa notícia: a taxa de cobertura das creches melhorou. No ano passado, “o número total de lugares em creches fixou-se em 118 500, aproximadamente, 62% dos quais comparticipados pelo Estado através de acordos de cooperação com entidades da rede solidariedade”. Neste momento, há 100 mil crianças em creches.

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