Já não se lê poesia como antes. Poderia fazer esta frase com qualquer assunto porque, na realidade, já nada (ou quase nada) se faz como antigamente. Os tempos mudaram, é certo, e torna-se necessário acompanhar a inovação. Ninguém quer ficar de fora, não é? Mas, e se, com esse acompanhamento da modernidade estivermos a deixar de parte algumas dimensões importantes da literatura, como a poesia?
Na Black Friday a maior parte dos portugueses acabou por comprar aparelhos electrónicos, apoiando essa minha ideia de que todos tentamos acompanhar a evolução dos tempos modernos. Eu, porém, fiz aquilo que faço todos os anos nesta sexta-feira trágica (trágica porque se baseia no capitalismo e no materialismo) – comprei livros. Um desses livros merece especial destaque por se tratar de uma colectânea de poemas de Frederico García Lorca, seleccionados e traduzidos por Eugénio de Andrade. Até aqui tudo normal, não fosse o espanto do lojista quando me colocou este exemplar nas mãos, como se eu tivesse acabado de sair da minha nave espacial. Foi precisamente aí que percebi: as pessoas não lêem poesia, em particular a minha geração.
Nascida e criada na década de 1990, sou orgulhosamente (na maior parte dos dias) da chamada geração Z. Sinto orgulho em pertencer à geração que está sempre online, que tem sempre emails por ler, uma dezena de notificações no Facebook ou uma insta story para publicar. Até podemos estar sempre conectados, mas, algures no tempo, perdemos a conexão com a poesia. Acredita-se que esta arte de expressão lírica é mais antiga que a própria escrita. E se assim é, como é que perdemos o gosto pela pela arte de rimar sentimentos e emoções? Não consigo perceber onde começou esse afastamento, mas perdeu-se um pouco por toda a parte, infelizmente — em casa, nas escolas, mesmo nas livrarias, que guardam os livros deste género nos cantos mais recônditos.
Eu que cresci a ouvir o meu avô citar António Aleixo, eu que nasci na cidade onde José Régio passou a maior parte da sua vida, eu que recebi a minha primeira antologia poética com oito anos, acho (mais que) necessário reviver a poesia. Não só ressuscitar poetas, mas criar novos artífices, criar uma forma de atingir a população novamente com este género literário, ensinando e cultivando o gosto pela poesia. Assim, urge a necessidade de trazer à tona os versos de Alexandre O’Neill e os sonetos de Florbela Espanca. Tal como os lirismos satíricos e reaccionários de Natália Correia, Ary dos Santos ou Manuel Alegre. É urgente importar a natureza de Whitman, a paixão de Neruda e a crueldade de Bukowski.
É necessário trazer de volta a alegria das rimas. É necessário trazer de volta o duplo sentido das palavras. É necessário trazer de volta o ritmo e a musicalidade. É necessário trazer de volta a poesia.