“Portugal não está imune a populismos”
Paulo Sande, cabeça de lista da Aliança às eleições europeias, defende que “o eurocepticismo não serve a ninguém”. Na entrevista que é transmitida hoje, às 12h, na Rádio Renascença, o consultor do Presidente da República assume que só suspenderá funções quando formalizar a candidatura.
Professor universitário e especialista em Assuntos Europeus, Paulo Sande defende que os moderados têm de travar uma “guerra contra os extremismos” para preservar um modelo de sociedade democrático, livre e de economia de mercado.
Por que razão decidiu aceitar o convite de Pedro Santana Lopes?
Por vários motivos. O facto de esse convite ter sido feito é significativo de uma vontade de mudar a forma como a política é compreendida e é feita em Portugal. Convidar alguém como eu que não tem vida partidária prévia — estive sempre perto da política, no sentido em que trabalhei no Parlamento Europeu, e em que tenho as funções que tenho actualmente — é muito significativo dessa vontade de fazer diferente. E eu quero fazer diferente.
Não teve vida partidária porquê? Ainda não se tinha revisto num partido, a Aliança era o partido de que estava à espera?
Não tem nada a ver com partidos em si mesmo. Gostei sempre de pensar pela minha cabeça e tenho consciência de que os partidos obrigam a uma restrição, a uma disciplina, uma contenção nas ideias, a um alinhamento que nunca fez sentido na minha maneira de ser. Mas nunca fui fechado a oportunidades que surgiram. A certa altura da minha vida, por razões pessoais, apoiei o dr. Durão Barroso, quando ele na altura era presidente do PSD, quando ele pediu ajuda à sociedade civil e eu estava disponível para isso.
Presumo que conhece Santana Lopes há muito tempo, ele aliás foi deputado no Parlamento Europeu. Conhecem-se desde essa altura ou essa aproximação é mais recente?
Presume bem e presume mal. Presume bem que conheço Santana Lopes, como todos os portugueses, há muito tempo. Ele esteve pouco tempo no Parlamento Europeu, conheci-o, já lá trabalhava na altura. E a partir daí houve muito poucos contactos.
É uma aproximação recente?
É uma aproximação muito recente e um conhecimento recente.
Assim que o seu nome foi anunciado, criou-se uma polémica por ser consultor do Presidente da República. Quando é que vai deixar de ser conselheiro em Belém?
Como o senhor Presidente disse muito claramente, e eu julgo que é a resposta correcta, no dia em que a candidatura for formalizada. A lei não o obriga, poderia ser mais tarde, mas o Presidente já disse e é isso que vamos fazer. Nessa altura eu suspenderei o cargo, que é isso também que a lei prevê.
Faz a ponte com os partidos?
As minhas funções têm sido justamente na relação com os partidos e com o Parlamento como conselheiro do Presidente.
Sentiu algum incómodo com esta situação? Já não esteve nas últimas reuniões do Presidente com os partidos. É sinal desse incómodo?
Não, é um sinal de precaução. Percebo que estas coisas sejam em tempos que já são pré-eleitorais, que haja essa preocupação, que haja essa reacção, acho que foi muito bem respondida pelo senhor Presidente da República e eu não faço senão partilhar.
A Aliança defende que "Portugal precisa de reforçar a sua atitude perante a União Europeia". O que é que isso significa?
Ter outra atitude perante a Europa significa várias coisas, e vamos ter propostas concretas em relação a todas elas. Em primeiro lugar significa estar nas instituições europeias tendo sempre em conta a importância dessa presença, mas temos de ser mais assertivos. Tenho a experiência na Europa de que os portugueses tendem muito a funcionar individualmente, e não como grupo identitário.
Essa assertividade não tem acontecido?
Há muito a tendência de Portugal de ser o bom aluno e de procurar agradar. Na relação com os cidadãos, é preciso falar para o futuro e deixar de falar no passado. Temos de ter uma linguagem que expurgue o jargão comunitário. Eu próprio estou a fazer esse tirocínio. Outro dos motes desta campanha e deste trabalho nos próximos meses é perceber o que as pessoas verdadeiramente querem e pedir para que participem.
O seu discurso vai ser o de um europeísta crítico ou o de um eurocéptico?
Europeísta ou eurocéptico, cá está duas palavras do jargão. Acredito profundamente na ideia de uma integração europeia. A ideia é que as pessoas sejam actores, que façam parte deste processo. As pessoas têm de perceber que a Europa é boa para nós. Se isso é ser um europeísta, então eu sou um europeísta. Voltando ao europeísta crítico, eu sou sobretudo um europeísta desconfiado no sentido em que tudo o que nos é dito tem de ser desconstruído. Temos de ser capazes de construir algo que nos sirva. O eurocepticismo não serve a ninguém. Não estou sequer a defender que as instituições são boas nem defender as formas como as instituições procedem. É evidente que há muitos erros neste processo. A Europa é boa para as pessoas, tendo que mudar, quer do ponto de vista da comunicação quer do ponto de vista substancial no que diz respeito aos procedimentos.
Tais como, por exemplo, a participação democrática?
Não necessariamente. O processo decisão deve ser devolvido aos Estados. Os parlamentos nacionais têm de ter outra intervenção no processo legislativo.
Isso implica menos poderes para a Comissão?
A Comissão tem os poderes que tem. Em muitos casos tem mais poderes do que aquilo que as que pessoas pensam e ela própria gosta de mostrar que tem mais poderes do que efectivamente tem. Porque quem, de facto, decide na Europa não é a Comissão. Esta ideia de devolver o processo de decisão aos Estados neste sentido não implica mudanças nos tratados mas implica outro comportamento no processo de decisão e outro comportamento a começar nos órgãos nacionais em Portugal e noutros países.
Quem é o eleitorado que a Aliança quer cativar?
Todo (risos). É muito importante que os jovens percebam que a Europa pode e deve ser o futuro. Têm de perceber que se podem apropriar dela, têm de ser agentes activos na mudança. Há outro grupo de pessoas que é cada vez mais importante e que definitivamente não pode ser ignorado: é aquele a que antigamente se chamava terceira idade - pessoas que já se reformaram ou estão na iminência da reforma.
Já pensou como vai fazer a sua campanha? Como é que se faz uma campanha para chegar a essas pessoas?
Já, Já. Penso nisso todos os dias, antes de adormecer, quando acordo...
Uma campanha num partido novo, pensar no financiamento, tudo novo…
As campanhas não podem ser o que foram. Temos de olhar como fazer as campanhas neste novo mundo e neste novo mundo o digital, as redes sociais e a Internet são muito importantes. Aliás, a Aliança já começou a fazer um trabalho nessa matéria. Não quero fazer campanhas como se faziam antigamente.
Tem tido uma experiência ao lado de um Presidente que faz muito isso.
Não queria falar sobre isso, mas vou fazer um comentário: tanto que as pessoas precisam disso. E tanto que as pessoas precisam de alguém que fale com elas.
Estamos num momento da Europa que parece ser algo entre a mudança e crise. O que é que o preocupa mais: o "Brexit", a situação em Itália ou a crise em França? Ou tudo junto?
Tudo junto ou nada disso. E eu começo pelo nada disso. Tudo a que estamos a assistir faz parte de uma cisão radical entre o modelo que conhecemos da economia de mercado, da democracia baseada na representação liberdade e, ao mesmo tempo, de novas propostas que usam, de alguma forma, esse exército de descontentes e que propõem soluções radicais. E sendo radicais devem ser rejeitadas por quem considera que a moderação e o bom senso devem prevalecer. É um bocadinho essa a ideia que eu também quero que a Aliança possa veicular nestas europeias. Rejeitar o radicalismo é rejeitar modelos de que não gostamos. Há, de facto, uma luta a travar contra os extremismos. Não queria usar esta expressão, mas vou usá-la que é a guerra aos extremismos. Isso pode soar estranho, quando estamos numa posição moderada e de tolerância. Se não fizermos guerra aos extremismos, os extremismos vão fazer-nos guerra e acabar com este modelo. E é por ele que temos de lutar.
O Presidente da República tem expressado em vários discursos grande preocupação com os populismos. Até que ponto Portugal está imune a esses populismos ou podemos estar a assistir a um esboroar do PSD que pode abrir vias para outros caminhos não tão bons?
Não vou falar de partidos, como já prometi até ao início da campanha. É evidente que Portugal não está imune a populismos nenhuns, isso não existe. Um país que vive mergulhado em futebol - eu adoro futebol, sou sócio de um clube, não vou dizer o nome senão perco logo muitos eleitores - e que vê mais horas de futebol falado do que futebol jogado é um país que está disponível para ouvir e viver a espuma dos dias e surfá-la. Estamos completamente em risco, como estão outras sociedades, de nos aparecer uma proposta dessa natureza e de as pessoas cavalgarem essa onda e de seguirem essa moda. Porque é uma moda. Só que são modas perigosas que nos podem colocar espartilhos que não nos deixam respirar, não nos deixarão viver livremente, encarar a defesa os direitos humanos como a conhecemos, viver no mercado aberto. Os extremismos são o inimigo, temos de lutar contra o inimigo. Significa tomar posições claras. A moderação não pode ser moderada na luta contra os extremismos.
Em que bancada do Parlamento Europeu se irá sentar a Aliança?
Depende como as bancadas se constituírem. Não sei. Não foi falado, terá de ser visto. A composição das bancadas foi muito estável até hoje, mas vai mudar radicalmente. Já agora, um dos palavrões é federalista, estou à vontade porque já escrevi tantas vezes que o federalismo é um disparate, aliás, ensino aos meus alunos que ser federalista não é a mesma coisa que defender a Europa. É uma solução prêt-a-porter, um fato feito não interessa a ninguém. Temos de fazer o fato à medida dos cidadãos.
Entre os dois candidatos a presidente da Comissão já conhecidos, Franz Timmermans e Manfred Weber, qual prefere?
Estou à espera dos outros. Não vou escolher nem um nem outro, porque seria já fazer campanha. Não tenho a certeza de que o Spizenkandidat seja completamente seguido. Vai depender muito do Parlamento Europeu que for eleito.
Relativamente à segurança na Europa, é preciso um exército europeu, uma polícia ou uma força antiterrorismo comum?
É preciso trabalhar em conjunto cada vez mais. Não é possível com esse nível de recursos ter a veleidade de criar um exército europeu ou fazer uma defesa europeia baseada em hard power.
Em relação à Aliança até que ponto vai a sua adesão? É só o cabeça de lista ao PE ou vai envolver-se na vida do partido?
Eu candidato-me como independente. Tem sido essa a minha postura, participar, mas pensar pela minha cabeça, obviamente, dentro das linhas fundamentais do partido.