BCE vai parar de comprar dívida. O que significa isto?
Ao fim de quatro anos e meio e de compras no valor de 2,6 biliões de euros, o BCE conclui este ano o seu programa extraordinário de aquisição de activos. É mais um sinal de que a era do dinheiro barato pode estar a chegar ao fim.
O que foi o programa de compra de activos do BCE que agora termina?
Em 2014, o Banco Central Europeu ficou colocado perante um dilema: tinha de estimular a economia da zona euro (o crescimento era fraco e a inflação estava claramente abaixo do objectivo de 2%), mas já tinha as taxas de juro a zero, não as podendo descer mais.
Por isso, tal como já tinham feito a Reserva Federal norte-americana e o Banco de Inglaterra, adoptou medidas extraordinárias. A principal: começar a comprar activos (principalmente títulos de dívida pública dos países da zona euro) nos mercados para injectar dinheiro na economia. Se tudo corresse bem, acabaria por resultar em mais consumo e investimento.
Durante os últimos quatro anos e meio, o BCE comprou activos no valor de 2,6 biliões de euros. Uma das consequências foi aumentar a procura de títulos de dívida pública, o que ajudou os Estados da zona euro, como o português, a emitirem dívida pública a taxas de juro mais favoráveis.
O que é que foi feito agora?
Os responsáveis do BCE decidiram que, a partir de Janeiro, deixam de fazer compras líquidas de activos e apenas passam a reinvestir o dinheiro quando algum dos títulos que tinham comprado chega ao fim do seu prazo e é amortizado.
Porque é que o BCE decidiu colocar um ponto final nas novas compras?
Esta estratégia de injectar mais dinheiro na economia tem riscos. Se for levada demasiado longe, pode conduzir a uma subida da inflação, que, depois, se torna difícil de controlar.
Alguns dos membros do conselho de governadores do BCE, como o representante do banco central alemão, têm há muito tempo defendido que se corria o risco de estar a exagerar nos estímulos oferecidos, para além de se estar a ajudar Estados fiscalmente pouco disciplinados a obter financiamento nos mercados a taxas de juro baixas.
Contudo, Mario Draghi e a maioria dos membros do BCE preferiram ir diminuindo as compras apenas de forma progressiva, prolongando-as até agora, no momento em que a economia já regista taxas de crescimento razoáveis há vários trimestres e a taxa de inflação na zona euro finalmente se aproximou da meta de 2% estabelecida pelo banco central.
Que impactos pode ter esta decisão?
O desaparecimento deste estímulo monetário representa uma redução do apoio com que a economia da zona euro tem vindo a contar nos últimos anos.
Por isso, os mais pessimistas temem que esta possa ser a gota de água para uma economia da zona euro que já está a dar sinais de abrandamento e que enfrenta riscos importantes decorrentes do “Brexit”, dos orçamentos italianos e franceses e da guerra comercial entre EUA e China.
Em particular, ao deixar de fazer compras de títulos de dívida, os países que sejam colocados sob pressão do mercado nas suas emissões de dívida deixam de ter um apoio tão permanente do BCE.
Pela positiva, o BCE dá um passo para estar mais preparado para uma futura crise, visto que o volume de compras que vinha realizando já estava a atingir o seu limite, sendo cada vez mais difícil ao banco central encontrar títulos de dívida que pudesse adquirir.
Há medidas para limitar os impactos negativos na economia?
Como o BCE ainda está preocupado com a força da economia europeia e com a possibilidade de nova descida da taxa de inflação, vai ter o cuidado de, ao mesmo tempo que conclui o programa de compras, assegurar que outras medidas de estímulo económico continuam em vigor.
Em primeiro lugar, o BCE garante que, por um prazo ainda indefinido, irá reinvestir na dívida dos países à medida que os títulos que tem no seu balanço atinjam a maturidade.
Por exemplo, quando uma série de obrigações de tesouro portuguesas que o BCE tenha comprado chegar ao fim do seu prazo, o banco central usa o dinheiro recebido para adquirir nova dívida portuguesa. O que isto significa é que, apesar de não aumentar o volume de dívida que tem no seu balanço, o BCE também irá evitar que se registe uma diminuição repentina, para não criar um cenário de quebra abrupta da procura nos mercados de dívida da zona euro.
Em segundo lugar, tudo indica que o BCE irá ser muito prudente na hora de voltar a subir as taxas de juro a que empresta dinheiro aos bancos. Actualmente, estas taxas estão a zero e a sua subida é o passo seguinte no plano de retirada dos estímulos do banco central. No entanto, Mario Draghi quer assegurar-se primeiro de que a economia continua a crescer, que ameaças como o “Brexit” ou a derrapagem das finanças públicas italianas e francesas não se concretizam e que a taxa de inflação não volta a ficar muito abaixo do objectivo. Por isso, ainda não definiu uma data para a subida de taxas.
Com estas medidas – e com a promessa de reiniciar a compra de dívida, caso seja necessário – o BCE mantém uma política de apoio considerável à economia e minimiza os impactos negativos do fim do programa.
Portugal pode ser afectado pelo fim das compras líquidas?
Portugal foi um dos países que mais tiveram a ganhar com o programa de compras do BCE, principalmente no seu início, que coincidiu com o regresso aos mercados após a saída da troika do país.
Continuando a ter uma das maiores dívidas públicas da zona euro, Portugal é necessariamente um dos países que mais podem perder com a saída de cena de um dos principais compradores no mercado de dívida europeia dos últimos anos. Em teoria, mantendo-se tudo o resto igual, é normal que, sem compras novas do BCE, as taxas de juro da dívida portuguesa registem valores mais altos do que aqueles que se verificariam se as compras continuassem a ser feitas da mesma maneira.
Todavia, há motivos para acreditar que, pelo menos por agora, Portugal está em boas condições para fazer face ao fim do programa de compras de activos do BCE.
Em primeiro lugar, a subida dos ratings registada este ano alargou de forma significativa a base de investidores em dívida portuguesa, criando alternativas convincentes ao BCE. E depois, pelo facto de, no caso português, o BCE se ter aproximado muito do limite de um terço que pode deter da dívida do país, as suas compras de activos portugueses já eram mais reduzidas do que inicialmente. Isto faz com que Portugal, mais do que outros países, se tenha vindo a adaptar progressivamente ao fim do programa de compras.
Como é que as famílias podem sentir o efeito?
Para além do efeito que todos sentem por via do ritmo a que a economia irá crescer, o impacto nos agentes económicos dependerá da forma como as taxas de juro reagirem nos mercados.
Se as taxas de juro da dívida pública subirem, isso irá repercutir-se rapidamente nos bancos e, depois, nas empresas e nas famílias, por via de uma limitação no acesso ao crédito.
De forma ainda mais imediata, se as taxas Euribor começarem a subir, antecipando a continuação da retirada de estímulos pelo BCE, a prestação que muitos portugueses pagam ao seu banco pelos empréstimos que contraíram (e que na sua maioria estão indexados às Euribor) irá agravar-se.