Portugal exporta mais calçado mas factura menos do que em 2017
Ano de 2018 foi “atípico” e “muito difícil” para uma indústria que se habituou a crescer na última década. As alterações climáticas têm parte da culpa. “Temos de tirar ilações e de nos adaptar”, diz Luís Onofre
A promoção da indústria portuguesa do calçado vai ganhar em 2019 uma "plasticidade" fora do habitual. Em vez de apostar em modelos de projecção nacional e internacional, a "indústria mais sexy do planeta" convidou bailarinos da Companhia Nacional de Bailado para a campanha que foi apresentada no Porto, nesta quarta-feira. Será uma mudança de visual após um ano de 2018 "muito difícil" para os industriais portugueses, diz Luís Onofre, presidente da associação que representa o sector, a APICCAPS. Ao fim de uma década de crescimento – com excepções em 2012 e 2015 –, o valor das exportações devem cair em 2018 entre 2,5% e 3%.
Interrompe-se assim uma série de três anos com as exportações em alta (2015-2017), na ordem dos 3%, e com vendas ao exterior em nível recorde em 2017 (1982 milhões de euros). Para o sector, 2018 será "um ano atípico". "Acabámos por produzir e exportar mais pares de sapatos, mas registamos menos facturação. Temos de tirar ilações e de nos adaptar", sublinha Onofre, eleito para a presidência da APICCAPS em 2017.
A boa notícia para os industriais portugueses é que este resultado não se deve a uma guerra de preços. Pelo contrário, explica-se em parte pela aposta do sector, que é forte na exportação de sapatos em pele (e mais caros), em "alargar a gama da oferta nacional" a outros materiais, como os sintéticos, que são mais baratos. As vendas ao exterior de sapatos em materiais sintéticos aumentaram 5%, mas como são mais baratos do que o calçado em couro (que representa cerca de 85% das exportações nacionais), o preço médio baixou, arrastando com ele a facturação total.
A má notícia é que isto não explica tudo. "O ano de 2018 foi extremamente difícil, por alguns factores que nos ultrapassam, como uma conjuntura mundial desfavorável. Desde o 'Brexit' aos problemas que estamos a ver em França, passando pelas políticas proteccionistas que alguns países têm vindo a adoptar, nada disto ajudou", descreve o presidente da APICCAPS. Até Setembro, Portugal facturou 1600 milhões de euros em exportações.
Além disto tudo, a indústria europeia teve de lidar com um factor cuja resolução não está nas mãos de ninguém e, no entanto, está nas mãos de todos: as alterações climáticas. O Inverno de 2017 "prolongou-se quase até Junho", o que por um lado "comprometeu a venda das colecções de Verão" e, por outro, "dificultou as reposições", salienta Onofre.
Nuno Fonseca, presidente da Câmara de Felgueiras diz que o este problema tem mexido com a indústria do calçado, que tem o maior cluster nacional naquele concelho. “Reparámos nisto desde há três anos e nos últimos dois anos o fenómeno intensificou-se”, diz Nuno Fonseca.
“Havia um pico de encomendas para o início do Inverno e deixou de haver”, porque a sazonalidade da procura se esbateu. No concelho de Felgueiras produzem-se 300 mil pares de calçado por dia, dos quais 85% são para exportação. O concelho é responsável por 50 a 60% da produção nacional de calçado, segundo o autarca.
Nem tudo foi mau neste ano. Onofre salienta algumas conquistas em mercados importantes como o dos EUA, onde algumas empresas angariaram novos clientes. Para 2019, a APICCAPS vai continuar a apostar nos EUA e intensificar as acções na feira. Com a nova campanha, protagonizada por bailarinos, pretende elevar o calçado português ao estatuto de arte.
E para assinalar os últimos dez anos, em que as exportações cresceram 60%, lançou, nesta quarta-feira, um livro comemorativo, na Livraria Lello (Porto), em que celebra as histórias e os protagonistas desta década de crescimento. Paralelamente, a APICCAPS assinou um protocolo de colaboração com a conhecida livraria, que passa a ajudar na promoção do calçado português. Com Carlos Cipriano