Ghosn foi acusado e continua detido por causa de novas suspeitas
Homem forte da Renault-Nissan poderá ter ocultado mais 31 milhões de euros de salário, entre 2015 e 2018. Vai responder por fraude fiscal.
Após 22 dias detidos, Carlos Ghosn foi, nesta segunda-feira, formalmente acusado de fraude fiscal pela justiça japonesa. Ghosn era suspeito de ter omitido 38 milhões de euros de compensações, recebidos entre 2010 e 2015. O antigo CEO e presidente do conselho de administração da Renault, da Nissan e da aliança que estes construtores criaram há 19 anos, vai continuar detido. Os procuradores suspeitam que Ghosn terá ocultado mais 31 milhões de euros em remunerações e por isso mantêm-no atrás das grades.
Também a Nissan foi formalmente acusada de prestar declarações falsas nos relatórios anuais, avançam os meios de comunicação nipónicos. Os procuradores japoneses entenderam que a fabricante automóvel deve igualmente responder à justiça. De momento, “não há nada a declarar” sobre esse assunto, disse Hiroto Saikawa, actual CEO e presidente interino da empresa, citado pelo Le Monde.
O norte-americano Greg Kelly, administrador-delegado e braço-direito de Ghosn, igualmente detido desde 19 de Novembro, foi também acusado. Os dois homens estavam a ser investigados internamente pela empresa há alguns meses, após denúncia anónima.
Acções de novo em queda
Ghosn e Kelly podem ser condenados a uma pena de até dez anos de prisão. Ambos negam as acusações. Mas os procuradores que investigam o caso deram credibilidade às suspeitas de que ambos engendraram um esquema para ocultar parte significativa das remunerações do gestor francês que, entretanto, foi afastado dos cargos pela Nissan e pela Mitsubishi (que passou a integrar a aliança em 2016).
As acções da Renault estão a descer 1,53% na bolsa de Paris neste início da semana. A empresa francesa foi a única a não demitir Ghosn de imediato.
Preferiu esperar para ver, mantendo o gestor nos cargos, mas entregando o poder a outro executivo de forma provisória. Resta saber se a acusação deduzida agora contra Ghosn justifica a revisão dessas decisões, tendo em conta que o gestor continua impedido de exercer qualquer função.
A Bloomberg diz que os representantes dos trabalhadores da Renault, que detêm 2,03% do capital, consideram que Ghosn não tem condições para se manter na administração. O grupo francês perdeu um terço da cotação bolsista desde o início de 2018.
Na bolsa de Tóquio, a cotação da Nissan fechou no vermelho, registando uma descida de 2,91%. O caso expôs a falta de controlo interno e de governance na Nissan. Para alguns analistas, era impossível ocultar ao fisco quase 69 milhões de euros em remunerações sem o conhecimento de outros executivos. No dia da detenção, Hiroto Saikawa garantiu que mais ninguém sabia, tendo afirmado que Ghosn e Kelly eram os "cabecilhas" deste esquema.
Em causa estão pagamentos de parte da remuneração de Ghosn que foram diferidos a partir de 2010, ano em que a declaração dos salários de cada gestor se tornou obrigatória por lei.
Justiça do Japão na mira
O gestor francês, natural do Brasil e com raízes libanesas, arrisca-se agora a passar o Natal na prisão, visto que os procuradores poderão prolongar a prisão preventiva por mais 20 dias, à custa das novas suspeitas que agora pretendem investigar.
O sistema judicial do Japão ficou debaixo de olho da imprensa nacional por causa deste caso. Em França critica-se o que consideram o poder injustificado dos procuradores e os tempos de detenção preventiva sem acusação formal.
De acordo com o jornal Nikkei Asian Review, "mais de 99% dos casos em que há acusação formal acabam com a condenação dos julgados". O mesmo periódico acrescenta noutra notícia que a Nissan pretende bloquear o acesso de Ghosn e de pessoas do círculo dele a um apartamento que aquele detém no Rio de Janeiro, temendo o risco de destruição de provas. A defesa de Ghosn pediu acesso à casa, em Copacabana, o que lhe foi concedido por um tribunal brasileiro, mas a Nissan vai recorrer dessa decisão para uma instância superior, afirma o Nikkei.
Além da ocultação de declarações, Ghosn fora citado pela Nissan como sendo suspeito de ter usado dinheiro nipónico em benefício próprio. Em causa estariam quase 18 milhões de dólares que teriam saído de uma subsidiária com sede fiscal na Holanda e que alegadamente serviram para pagar gastos com casas de luxo usadas por Ghosn.