Com as mãos na massa do bolo-rei mais saloio de Lisboa

Na Pastelaria Batalha, no Chiado, um jovem pasteleiro admirador de Beatriz Costa ensina os segredos de um bolo-rei premiado.

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Nuno Ferreira Santos
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Na jaleca de João Batalha espreita do rosto de Beatriz Costa, franja negra a aparecer por baixo do lenço azul às bolinhas, lábios pintados de vermelho. João, pasteleiro de 27 anos, é saloio e orgulhoso de o ser, por isso apresenta a sua pastelaria – que nasceu na Charneca, a “Aldeia da Roupa Branca”, abriu depois uma segunda loja na Venda do Pinheiro e, por fim, há pouco mais de um ano, chegou ao Chiado, em Lisboa – como “a mais famosa das saloias”.

Em cima da mesa cheia de doces de Natal que nos espera na loja do Chiado há também algumas especialidades da região saloia, incluindo aquele que, garante, era o bolo favorito da famosa actriz, o parrameiro, “feito para os romeiros, que andavam a cavalo ou de burro, e que, por isso, tem a forma de ferradura”.

Mas o que nos traz aqui não é o parrameiro, nem a deliciosa queijada de Lisboa (uma receita da mãe de João), a premiada rabanada feita com pão de Mafra, nem sequer o já famoso workshop de pastel de nata, muito procurado pelos turistas e destacado pelo TripAdvisor (o próprio pastel de nata da Batalha conquistou o terceiro lugar no concurso que se realiza durante o festival Peixe em Lisboa). Hoje viemos pelo bolo-rei.

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Vamos passar as duas horas seguintes na cozinha da Pastelaria Batalha para aprender com João a fazer este bolo, que chegou a Portugal nos finais do século XIX, através da Confeitaria Nacional, vindo de França onde terá nascido durante o reinado de Luís XIV. Aqui fazem-se muitos bolos-rei e por isso temos a vida de alguma forma facilitada pela ajuda de máquinas como o poderoso forno e a amassadeira. É para aí que deitamos os dois quilos de farinha sem fermento tipo 55, mais os 300 gramas de margarina (a ideia é fazer uns oito bolos, diz João), 50 gramas de sal, quatro ovos, 400 ml de leite.

Depois vêm os ingredientes que tornam especial este rolo-Rei, vencedor da medalha de Melhor Bolo-Rei 2016/17 no concurso Wonderland Lisboa. Um dos segredos é a calda de laranja, feita na casa com as cascas de laranjas do Algarve, as mesmas que serão, no final, usadas para a decoração.

Colocamos os ingredientes na amassadeira e deixamos que os braços mecânicos façam o trabalho, inicialmente dois a três minutos numa velocidade mais lenta, “para homogeneizar”, explica o pasteleiro, e depois cerca de seis minutos em ritmo mais rápido. É depois disso que se deitam os licores, que lhe vão dar um tom mais escuro, e o fermento para crescer, antes de ser amassada mais quatro minutos – a mistura de licores fica mesmo um segredo, guardado por João, mas percebemos pelo menos que leva anis e vinho do Porto.

“A qualidade da fruta seca e da cristalizada é o que faz a diferença”, afirma. “Compramos os pinhões de Alcácer do Sal, tentamos ter amêndoa e noz nacionais, embora nem sempre seja fácil.” A fruta cristalizada, já cortada em quadradinhos, é comprada, mas João garante que é de óptima qualidade, sem excesso de açúcar e com a frescura necessária para conferir alguma humidade à massa do bolo.

Os pais de João (as pastelarias são um negócio familiar) passam pela cozinha quando estamos todos literalmente de mãos na massa e o pai explica que “é preciso mexer na farinha para se ficar viciado”. Foi, de certa forma, o que aconteceu com João, que nasceu “dentro do restaurante” dos pais, em 1991, e que quando era mais jovem ainda pensou seguir informática. “O meu pai perguntou-me ‘é mesmo isso que tu queres, estar sentado a uma secretária?’”. Hoje, sabe que não era isso e que é na cozinha que se sente feliz.

Foi no ano passado, no seu 27.º aniversário, que surgiu a oportunidade de adquirir este espaço em pleno Largo de Camões. É a partir daqui que hoje faz toda a produção, não só o que vende na casa mas a que se destina a hotéis de Lisboa, como o Corpo Santo ou o Martinhal.

Conversamos e provamos as azevias com amêndoa e grão, os coscorões, os sonhos, as broas castelares e as trouxas-de-ovos, enquanto esperamos que a massa do bolo descanse. Depois chega a parte que exige mais habilidade manual: enrolar a massa, criando primeiro uma bola, depois abrindo um buraco no centro (com o cotovelo) e por fim dando-lhe o formato de coroa. Os bolos-rei que saem das nossas mãos não ficam perfeitos, como os que João faz, mas ele garante que é uma questão de prática e que, se formos persistentes, lá chegaremos. De preferência, antes da noite de Natal.

Nota: o workshop de bolo-rei destinou-se apenas à imprensa. No entanto, a Pastelaria Batalha faz workshops de pastel-de-nata todos os dias às 17h (também em inglês) para grupos até 10 pessoas – mais informações em www.pasteldenataworkshop.com. Preço: 50€

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