“Temos de ser radicais nas reformas. O ponto de partida não pode ser a concessão”
Poul Rasmussen é o rosto do relatório da Comissão Independente para a Igualdade Sustentável, um extenso documento que servirá de guião para as discussões da Conferência do Partido Socialista Europeu que arranca esta sexta-feira em Lisboa — e que deve ser lido como um manifesto dos socialistas para as eleições europeias de Maio de 2019.
O antigo primeiro-ministro dinamarquês Poul Nyrop Rasmussen diz que é a ala progressista que está mais bem equipada para combater a ameaça populista e responder aos desafios do futuro, promovendo uma verdadeira mudança de rumo na Europa. Ao contrário do que aconteceu na década de 90, quando não souberam aproveitar a sua maioria, os socialistas europeus têm agora um programa de acção política, com mais de cem pontos, pronto para ser executado. “Antes não estávamos preparados, mas agora sabemos para onde queremos ir”, garante.
Rasmussen é o rosto do relatório da Comissão Independente para a Igualdade Sustentável, um extenso documento que servirá de guião para as discussões da Conferência do Partido Socialista Europeu que arranca esta sexta-feira em Lisboa — e que deve ser lido como o manifesto político para as eleições europeias de Maio de 2019. O PÚBLICO falou com Rasmussen após a divulgação do relatório no Parlamento Europeu, em Bruxelas.
Acabou de apresentar um detalhado relatório para a “igualdade sustentável” na Europa. Esse documento é o manifesto político dos partidos representados no grupo S&D (Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas) para as eleições europeias?
Posso responder-lhe numa palavra: sim, mas deixe-me acrescentar que este documento é o programa de trabalho mais detalhado que já foi feito para um período de cinco anos. Esta é a nossa visão, mas ela só é útil se dissermos em concreto como pretendemos aplicá-la. A minha experiência ensinou-me que é preciso começar por ser concreto, e por isso temos aqui mais de cem propostas concretas que servirão para proporcionar uma vida melhor ao cidadão comum e garantir que os seus filhos e netos terão uma vida mais sustentável — em Portugal e nos restantes países da Europa. A palavra-chave aqui é que é preciso ter uma boa narrativa, uma nova história, que é a direcção que nós, progressistas, queremos seguir.
No sumário executivo há um apelo explícito a uma “acção política radical”, que é um termo que habitualmente não associamos aos partidos moderados do centro. Pode explicar o que entende por radical?
Radical significa não ser assim-assim. O nosso ponto de partida não pode ser a concessão, mas sim as verdadeiras mudanças que são precisas nos próximos cinco anos. O ponto no radical é este: na situação que temos agora, temos de ser radicais nas reformas. Vou dar um exemplo: a cultura gananciosa do sector financeiro e dos mercados. Nós não conseguimos garantir que eles se comportam como nós queremos, que paguem impostos, que sejam honestos sobre a forma como usam os seus mecanismos. Então o que podemos fazer? A nossa proposta radical é esta: nós podemos dizer aos gigantes tecnológicos como a Google, o Facebook, e outros 'vocês não são transparentes em relação às vossas contas, mas nós sabemos quanto vocês vendem na Europa. A partir de agora vão pagar 1% do vosso volume de negócios em impostos'.
Outra coisa. Nós sabemos que essas grandes empresas não vivem de acordo com os princípios da responsabilidade social que apregoam. Então vamos dizer-lhes que só podem operar no mercado único europeu se respeitarem as regras: as boas condições de trabalho, os direitos laborais e sociais… Essa é uma reforma radical, tal como o imposto sobre as transacções financeiras. E por último, se queremos quebrar esta cultura doentia e gananciosa nos bancos e nas empresas, é preciso mudar toda a estrutura de incentivos, remunerações e bónus. Um CEO que tenha atacado as regras ou feito fraude não deve poder sair com um pacote de acções.
Os mercados costumam reagir mal a reformas radicais…
Mas não podemos continuar como agora. Deixe-me referir uma coisa: Portugal foi um dos países mais injustamente atingidos pela crise financeira. E o que as pessoas viram foi que foi preciso salvar os bancos. Como? Exigindo enormes sacrifícios aos portugueses, obrigando a grandes cortes para reduzir o défice. As pessoas tiveram de aguentar a austeridade, sem que os bancos tivessem sido responsabilizados pelo que aconteceu. Os mais pobres tiveram de pagar o preço pelos erros daqueles que estão no topo da sociedade. E nessa altura, alguém falou em solidariedade europeia? Ninguém. Mas a solidariedade tem de vir. Países como Portugal não podem continuar à espera e a acreditar que a Alemanha vai mudar a sua política económica.
É por isso que cumprimento António Costa, porque ele é um dos que defendem a reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Nós queremos chamar a atenção para isso, dizendo que, além do défice orçamental, também tem de se atender ao défice de postos de trabalho, ao défice de sustentabilidade no clima e nas emissões e à desigualdade. Uma política económica justa não assenta só no défice, no qual o sector financeiro e os mercados têm a sua quota de responsabilidade, mas também nos outros pontos. E a verdade é que isto é realmente radical. Mas não podemos deixar de ser radicais, se pretendemos resolver os problemas.
Falou numa nova narrativa, mas o que verificamos é que a mensagem da mudança está nos partidos dos dois extremos do espectro político. Confia que a visão que descreveu como radical será capaz de se sobrepor às soluções apresentadas pelos populistas?
Há dois lados nesta moeda. Eu faço questão de distinguir os líderes populistas e aqueles que os elegem, porque quando se critica os partidos populistas, às vezes aqueles que votaram neles pensam que também é uma critica a eles. E não é. As pessoas fazem as suas escolhas em função da sua situação concreta, das suas esperanças e dos seus sonhos. Agora, temos de ser muito claros e confrontar os populistas com todos os buracos no seu enredo, as mentiras que eles dizem, a sua grande manobra que é dividir os países entre eles e nós.
É por isso que digo que este é o momento da verdade. Precisamos de perguntar às pessoas se elas pensam que a Europa está na direcção certa. A Europa foi controlada pelos conservadores nos últimos 15 anos. Eles solucionaram os nossos problemas de forma satisfatória? Temos emprego e justiça social, temos uma melhor cultura nos bancos? Penso que é por aí que temos de começar, a dizer aos eleitores o que pretendemos fazer, de maneira a que as pessoas percebam que estamos a falar dos seus problemas e a oferecer soluções que são razoáveis, sustentáveis e justas. Deixar de falar em soluções de compromisso para falar de uma nova direcção.
Mas o desafio das próximas eleições não vem só dos populistas ou dos conservadores. O S&D está a ter a concorrência dos Verdes e de outros partidos que reclamam ser a verdadeira voz progressista na Europa. Quando diz acabar com concessões, está a excluir a formação de uma coligação que altere o rumo seguido nos últimos anos?
Primeiro temos de ser claros em relação a nós próprios, ao nosso programa e à direcção que queremos seguir. Isso antes de começar a falar com outros ou pensar em criar coligações. Na década de 90, tínhamos uma maioria de governos socialistas e progressistas na Europa, tínhamos o Presidente Bill Clinton nos Estados Unidos, mas depois perguntávamo-nos ‘e agora o que vamos fazer’? O problema foi que não estávamos preparados, não tínhamos um programa. Tentámos fazer um, mas demorou muito tempo e vieram todas as mudanças no mundo: a guerra nos Balcãs, a concorrência entre os Estados-membros, as crises económicas.
Mas respondendo à sua pergunta: será que este é o momento de fazer uma aliança progressista, com os Verdes e outros? Acho que é, porque agora estamos preparados. Sabemos para onde queremos ir e esperamos que os outros compreendam como chegar lá. Se os Verdes quiserem uma coligação, terão que acolher os nossos pontos sobre uma transição justa do actual modelo desenvolvimento para um novo modelo verde. O que temos é de pensar como fazer isso nos países europeus.
Não é como está a fazer o Presidente Emmanuel Macron em França, onde as pessoas normais pensam que já não podem conduzir o seu carro até ao trabalho, porque ele decidiu aumentar o preço da gasolina. A transição tem de ser justa para os trabalhadores franceses, e os portugueses, que não podem de um dia para o outro deixar de usar um meio de transporte para usar outro. Para isso precisamos de ter um plano em dez anos. E precisamos de regular o mercado. A coligação tem de basear-se neste programa alargado. E o título tem de ser nunca deixar ninguém para trás e nunca mais aceitar, como até agora, que países como Portugal paguem demasiado. E digo isto mais uma vez cumprimentando Costa pelo que ele fez.
Está a referir-se à coligação política portuguesa? Uma das críticas feitas a Costa é que a sua “geringonça” não alterou a política económica do anterior Governo de direita, por exemplo na aplicação das receitas de Bruxelas.
Consigo perceber perfeitamente o que Costa e o seu Governo fizeram, que foi encontrar o limite absoluto máximo das possibilidades definidas por Bruxelas e mudar as políticas económicas até ao limite do que é possível dentro do antiquado Pacto de Estabilidade e Crescimento. Penso que só poderia ser criticado se não tivesse procurado uma maneira de dirigir Portugal dentro do que é possível obter neste pacto. Mas por isso dizemos que a próxima reforma urgente é essa, porque aí Costa teria uma margem de manobra muito maior. E acho que os portugueses compreendem que este é um dilema, e que a solução não é sair da Europa, como dizem todos os populistas. Isso seria uma enorme perda para Portugal.
Voltando às eleições europeias. Independentemente dos resultados, prevê-se um pequeno braço-de-ferro entre o Conselho e o Parlamento para a escolha do próximo presidente da Comissão. Qual é a sua opinião sobre o processo dos Spitzenkandidaten?
Penso que o Conselho Europeu, se for sensato, vai respeitar o Parlamento Europeu. A maior parte dos chefes de Estado e Governo percebem que seria um mau ponto de partida para os próximos cinco anos ter um confronto sobre a composição da nova Comissão. O meu apelo é que o Conselho não faça disto uma batalha artificial entre instituições, mas compreenda a sua responsabilidade, que é assegurar um bom começo para o líder da Comissão.
Não pensa que, tal como está desenhado, o modelo favorece o PPE, que pode ficar com o “monopólio” da indicação do presidente da Comissão?
Não tenho a certeza disso. Se fizermos uma boa campanha, ofensiva, a falar dos temas da maneira que descrevi, penso que temos boas hipóteses de conquistar um resultado muito bom nas próximas eleições. E como já mencionou, temos os Verdes e o GUE e talvez também os liberais, que não devem ser excluídos. Não ponho de parte o cenário de uma nova maioria no Parlamento. O que devemos é deixar claro que existe uma diferença entre os conservadores e os progressistas. Não sei muito bem como ilustrar isto, mas pode ser com um desenho assim: esta é uma estrada, num lado a faixa esquerda e no outro a direita. Sabemos para onde ambas vão. Aqui no meio (aponta o separador central) só temos moscas mortas.