Pontevedra: um município "tem de garantir o direito das pessoas ao espaço público"
Vice-presidente da Câmara de Pontevedra partilhou, no Porto, um projecto de “cidade para pessoas” em que só circula “o tráfego necessário”.
Não lhe falem de smart cities, nem lhe perguntem quanto custou a política de mobilidade que transformou Pontevedra numa cidade exemplo para muitas cidades no Mundo. O mais certo é que César Mosquera, vice-presidente da deputação de Pontevedra e responsável, no governo municipal, pela área do desenvolvimento sustentável, insista, como o ouvimos dizer esta quinta-feira no Porto, que não há, nesta capital provincial da Galiza, um projecto de mobilidade, mais ou menos inteligente, mas uma ideia de cidade em que o direito das pessoas ao espaço público passou, desde 1999, a ser uma prioridade. Com consequências, claro, na forma como por ali se circula.
Em Pontevedra circula-se devagar. A 30 ou até a 20 quilómetros/hora, no máximo, no interior de todo o casco urbano, onde vivem cerca de 63 mil pessoas. Lugar onde o trânsito de passagem, e o trânsito de agitação – aquele que anda às voltas à procura do estacionamento que muitas vezes não há – foi expulso, em defesa daquela ideia posta em prática desde o final do século passado pela equipa liderada pelo alcaide Miguel Anxo Lores. Convidado pela Área Metropolitana do Porto para dar a conhecer esse trabalho de duas décadas, o autarca acabou por fazer-se substituir pelo seu vice, um professor de matemática que geriu o urbanismo da cidade durante oito anos, e que agora tem uma “pasta” mais consentânea com a perspectiva global que domina a política urbana de Pontevedra.
Em resumo, politicamente, em Pontevedra acredita-se que a cidade é para as pessoas, e que é “obrigação” da administração pública garantir que os cidadãos possam usufruir do espaço público “em segurança e com conforto”. Essas premissas contaminam todas as áreas do poder local, desde logo o urbanismo, mas também as medidas de mobilidade, conjugados, ambos, para mexer com a hierarquia habitual das cidades. Onde antes passavam 87 mil carros por dia, hoje os peões são reis – e por isso devem ter metade do espaço disponível em largura numa rua, no mínimo – e os restantes modos ganham espaço consoante o seu impacto. Os carros não foram expulsos, mas a sua circulação foi condicionada, de modo a priorizar apenas “o tráfego necessário”, e a uma velocidade que, em muitos casos, ronda os 20 km/h.
“Se queres avaliar a qualidade de um espaço público, pergunta a uma mãe se deixaria os filhos brincar ali, ou pergunta a uma mulher se passaria por esse lugar a determinadas horas. Se te dizem que não é porque tens problemas com o excesso de tráfego, de iluminação e falta de gente à noite, por exemplo”, explicou o professor de matemática que, mais interessado em divulgar uma filosofia do que os números que a suportam, deixou ainda assim à audiência – onde havia poucos autarcas a assistir - alguns dados marcantes: numa cidade onde o centro se livrou de 97% do tráfego, e todo o espaço urbano tem menos 53% de carros a circular diariamente, há muito que ninguém morre atropelado e só 5% das pessoas envolvidas em acidentes necessitam de ir ao hospital. Ah, e as crianças voltaram a brincar nas ruas.
Mosquera não abomina os carros. “São imbatíveis” para determinados usos, assumiu, antecipando-lhes longa vida entre nós. Apenas julga que, da mesma forma que ninguém faz uma linha de metro para ir do Porto a Valença, porque uma linha de comboio é melhor, encher uma cidade de automóveis, facilitando a vida dos automobilistas, só piora a circulação e inferniza a vida dos moradores. O trânsito é como o açúcar, comparou. Em excesso, no caso de ambos, “teremos um problema. E a doença das cidades é o excesso de mobilidade mecanizada e de velocidade de circulação”, insistiu.
Mas como nas questões de saúde, na sua perspectiva, é difícil levar a cabo uma mudança de estilo de vida tão drástica sem co-responsabilização, o que passou, no caso de Pontevedra, por envolveras pessoas, em assembleias locais. Nas quais, não esconde, havia algumas críticas – sempre muito valorizadas pela opinião publicada e pela oposição – mas também moradores que chegavam, às vezes, a pedir que se fosse mais longe nas restrições ao trânsito, depois de perceberem que os seus movimentos essenciais eram garantidos.
A cidade sobreviveu a esse – pouco – descontentamento, e, reconfigurada, acabou por moldar a própria forma como os seus habitantes se relacionam com os seus carros e mesmo com a rua, como descrevia ao PÚBLICO uma moradora, no mês passado. Para a autarquia de Pontevedra, o Estado não tem obrigação de garantir espaço público para termos automóveis parados – e ainda ontem, o responsável pela empresa de transportes públicos de Madrid se queixava de que estes, sendo responsáveis por apenas 26% das deslocações na capital, ocupam 80% do espaço das ruas. Na pequena cidade galega, liberta das funções de mega-parque de estacionamento, a “rúa” ganhou vida.