Museu Nacional de Etnologia, um caso à parte
O que teria este museu, nascido em 1965, a devolver às ex-colónias? Muito pouco ou nada, diz o seu director. Por ser de criação tardia, nunca foi, ao contrário do que queria o Estado Novo, um museu do Ultramar como muitos dos seus congéneres europeus.
Quando se tenta transpor para Portugal a questão da restituição de património às ex-colónias e se faz o exercício de criar de cabeça uma lista de museus e arquivos nacionais que poderão ter bens a devolver, o Museu Nacional de Etnologia (MNE) aparece nos lugares cimeiros. Afinal, um pouco por toda a Europa, museus como este estão entre os primeiros escrutinados. Paulo Costa, o seu director, ressalva, no entanto, que no que toca a esta “matéria delicada” o MNE é um lugar “especial”.
“O caso do nosso museu é particular porque ele é muito tardio [nasceu em 1965] e foi criado numa lógica científica. O seu acervo está, no essencial, apoiado em missões de investigação”, explica Paulo Costa, lembrando que a primeira equipa do MNE — um núcleo dirigido pelo antropólogo Jorge Dias e composto por Margot Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira, entre outros — começou a fazer trabalho de campo anos antes e fez deste "um museu das culturas do mundo" e não do Ultramar, como pretendia o Estado Novo (embora tivesse aberto como Museu de Etnologia do Ultramar, a sua primeira exposição foi sobre a alfaia agrícola portuguesa).
A primeira colecção inventariada do museu foi precisamente a que Margot e Jorge Dias compraram aos macondes de Moçambique entre 1958 e 1961, período em que estudaram este povo (a peça número um do museu é um pote maconde). “A maior parte das nossas colecções é comprada às comunidades enquanto as equipas estão no terreno. E isso é verdade para as ex-colónias africanas, para o Brasil, para Portugal e até para Timor, já que temos peças que pertenceram ao Ruy Cinatti. Cada peça trazida tem uma origem reconhecida, está devidamente inventariada. Por isso digo que o nosso museu não terá os mesmos problemas de outros. A sua base científica rompe com o paradigma clássico de grande parte dos museus de etnologia do resto da Europa."
O MNE tem 42 mil bens inventariados. Desses, precisa Paulo Costa, 2800 são desenhos de Galhano e os restantes objectos etnográficos provenientes de 80 países, incluindo as ex-colónias. “O trabalho de inventariação não está terminado porque estão ainda muitas fichas por digitalizar [nove mil estão online no MatrizNet, o catálogo colectivo da Rede Portuguesa de Museus]. Não posso dizer hoje com precisão quantos destes bens vêm das ex-colónias, mas é possível apurar se quisermos aplicar esse critério de pesquisa porque cada peça do museu tem uma ficha.”
Se em relação aos objectos que resultaram de missões de investigação a proveniência é detalhada, o mesmo não acontece com alguns dos que decorrem de doações e com os cerca de dois mil que para ali foram transferidos pela Agência Geral do Ultramar: “Foram peças reunidas sem critério por elementos da administração portuguesa nos territórios, que chegaram até nós sem informação, sem contexto. Não sabemos como foram obtidas algumas podem ter origens problemáticas. Mas são peças bastante desinteressantes, na sua maioria, estão nas reservas. Não há entre elas nada de singular que mereça um pedido de restituição. É claro que se representantes dos países africanos as quiserem ver, teremos todo o gosto em recebê-los.”
Paulo Costa não conhece ainda o conteúdo do relatório que o presidente francês Emmanuel Macron encomendou a dois peritos, e que defende a devolução das obras retiradas "sem consentimento" das ex-colónias francesas em África, mas está “expectante”. Como a maioria dos seus colegas, sublinha, no entanto, que as coisas têm de ser analisadas museu a museu: “É uma questão política com implicações seríssimas, complexas, a começar pela legislação. É um problema global, mas isso não quer dizer que a sua solução seja global. Há que avaliar cuidadosamente cada contexto nacional.”