Como um sonho fugaz a diluir-se no horizonte
Entre Maia e Marvila, os portuenses Salto criaram um disco que é mesmo um salto em frente na sua música. Já nas lojas, Férias em Família mostra-se ao vivo no Lux, dia 6 de Dezembro, e na Casa da Música em Fevereiro.
Ao terceiro disco, os portuenses Salto fazem justiça ao nome. Férias em Família não é ainda a prometida incursão no território da electrónica, iniciada em 2014 com o episódico Can’t you see me (Beat Oven #01), mas uma incursão mais madura no rock e na pop que desde o início lhes alimenta a chama. A enorme bola de sabão que surge a pairar na capa, qual gota de água sobre uma paisagem campestre nocturna iluminada a flash, simboliza a fragilidade presente em todas as coisas. “Uma bolha acontece durante um curto espaço de tempo, é muito bonita mas muito efémera. E isto acontece também com os discos. Se calhar, à velocidade a que estamos a fazer música, daqui a uns meses já fazíamos coisas completamente diferentes. E este disco é uma exposição nossa, da nossa fragilidade.”
Assim falam os Salto, que são quatro. Começaram por ser um duo, Guilherme (ou Gui) Tomé Ribeiro (voz, guitarras, samples) e Luís Montenegro (teclas, samples, voz), mas depois o grupo ampliou-se com Tito Romão (bateria) e Filipe Louro (baixo e voz). Isso foi na Maia, no Porto, em 2007, com todos ainda adolescentes mas já imersos na música. “Tínhamos 17 anos quando nos chamámos Salto pela primeira vez”, diz Gui. “E o que nos movia era fazermos música, porque éramos primos, e passávamos as tardes a seguir às aulas, e as férias, a tocar, com duas guitarras.” Antes, tiveram uma banda chamada Duarte Rosado, que, diz Gui, “nem fez carreira nenhuma, mas teve um sucesso gigante com a música Leva-me contigo, uma coisa antiquíssima dos primórdios do YouTube, que os miúdos e as miúdas nas escolas adoram e já tem uns 5 milhões de visualizações.”
Virtudes, mar e lagostas
Mas voltando aos Salto, ainda reduzidos à dupla inicial: “Na altura já éramos amigos do Miguel Araújo e dos Azeitonas”, diz Luís. “Perguntaram-nos: ‘Vocês têm umas músicas engraçadas, não querem abrir o nosso concerto de final de tour no Sá da Bandeira?’” Disseram que sim, claro mas havia um óbice, o nome: “Vocês não se podem chamar Luís e Guilherme, senão parecem uma dupla de sertanejos, têm de arranjar um nome.” E lá foram arranjá-lo. “Fizemos um brainstorming gigante, éramos miúdos, e o Paulo Santos Rodrigo sugeriu-nos Salto. Disse que tinha acção, movimento e era fácil de decorar.”
E o Salto saltou. “Fizemos muitos concertos em festas académicas, em bares, houve um ano em que fizemos 72 concertos.” Sempre em duo. “Mas aí já começámos a pôr a electrónica”, diz Gui. Luís acrescenta: “Levávamos esta maquinazinha [mostra-a, no estúdio], disparávamos umas batidas e conseguíamos encher bem o espectro sonoro.” Antes lançarem qualquer disco, fizeram a primeira parte do concerto dos GNR no Coliseu do Porto, em 2011. E aí começaram a ganhar notoriedade. O primeiro disco, Salto, é gravado no ano seguinte, 2012, ainda em duo. “Mas para tocar ao vivo precisávamos de mais malta”, diz Luís. E convidaram Tito Romão, que já conheciam “há muito tempo”, para baterista; e Filipe Louro, que fizera o curso com eles na ESMAE, para baixista.
Em 2014 eram um quarteto. E o segundo disco, Passeio das Virtudes, editado em 2016, é já gravado com a formação actual. “Foi um disco que correu muito bem. Mar inteiro e Lagostas tocaram muito na rádio.” Com ele, lembra Tito, fizeram “a primeira tour.” O salto seguinte, passados dois anos, dá-se agora com Férias em Família, título que pode soar aborrecido para quem achar esse tipo de férias um frete. Para eles é o contrário: “Eu tenho saudades de férias em família”, diz Gui. Luís justifica: “Nós éramos muitos primos, 27 primos direitos, por isso as férias em família, para nós, eram uma pândega, sobretudo quando começavam as férias da escola!” Mas o crescimento foi-os separando. Gui mudou-se para Lisboa, logo após o segundo disco, e o terceiro já foi feito em viagens entre a Maia e Marvila, onde eles têm agora um estúdio. Luís seguiu-lhe os passos e Tito pondera fazer o mesmo. Só Filipe resiste. E agora o grupo está dividido entre norte e sul. “Mas acabamos por estar em família, porque há o estúdio, onde nos encontramos todos.”
Maturar no tempo certo
O título do disco espelha esse desejo de união. Mas abre com uma canção que podia ser assinada por veteranos: Cantar até cair, frase que podia ser subscrita pelos Resistência, Xutos ou Jorge Palma, com o seu A gente vai continuar (“enquanto houver estrada pra andar”). Eles divertem-se com a comparação, mas defendem-se com um argumento: “Isto é um espírito de aceitação. Diz: o que queremos fazer é mesmo isto, a alegria que nos dá fazer discos, lançar música nova e levá-las às pessoas.” Os temas escolhidos para singles do disco, Teorias e Rio seco, falam ambos de sonhos. No primeiro, escrevem: “Ficamos sentados a imaginar amanhãs/ Sonhamos todos os dias/ (…)/ Cantámos verdades sobre um mundo melhor/ Falhámos todos os dias”; e no segundo: “Contas contas que são poucas/ Para te entreter/ Finges não entender outras/ Que te possam entristecer// Acorda e sonha a cores.” É um questionar das coisas quotidianas, sem a certeza de um caminho, mas ainda assim incisivo. “Quisemos mesmo melhorar a objectividade das letras e neste disco conseguimos fazer isso melhor, as coisas estão mais claras”, diz Gui. “Há uma vontade de dizer, mesmo que não se tenha a certeza do que está certo”, esclarece Luís.
Outro tema forte do disco, candidato a novo single, é Só agora cresci, que de algum modo corresponde também à actualidade da banda. “Houve muitas coisas que só podiam ter maturado agora”, diz Luís. “Não tínhamos vontade que maturassem fora do tempo. E quando maturam, é uma espécie de auto-realização.” “De descompressão”, sugere Tito. O que transpira, destas Férias em Família, é um planar ou fervor de guitarras e teclas, vozes etéreas amparadas em linhas seguras de baixo e numa bateria discreta mas firme, como se tudo não passasse de um sonho fugaz prestes a diluir-se no horizonte, o disco ou a vida.
Férias em Família vai ser apresentado ao vivo esta quinta-feira dia 6, em Lisboa, no Lux, às 22h. O Porto ficará para 2019: dia 2 de Fevereiro, na Casa da Música, às 23h.