}

Macron dá um passo atrás, mas os “coletes amarelos” querem mais

Governo francês suspende durante seis meses um novo aumento de impostos sobre os combustíveis. Em resposta, os manifestantes dizem que essa medida era esperada antes do início dos protestos.

Foto
epa/GUILLAUME HORCAJUELO

O primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, anunciou esta terça-feira um pacote de medidas para tentar acalmar os protestos do movimento dos "coletes amarelos", ao fim de três semanas de manifestações em Paris e noutras cidades francesas. A principal medida é a suspensão de um novo aumento do imposto sobre os combustíveis que estava agendado para 1 de Janeiro, mas o Governo anunciou outras medidas e também a abertura de uma discussão pública sobre impostos e despesa pública.

Ao contrário do que estava previsto, a nova subida do imposto já não vai entrar em vigor no dia 1 de Janeiro, mas o Governo não se compromete, por agora, a pôr de lado a medida – a suspensão anunciada esta terça-feira vai vigorar durante seis meses, entre Janeiro e Junho do próximo ano.

A moratória sobre o aumento do imposto será acompanhada por outras medidas, como a suspensão da subida das taxas da electricidade e do gás e o cancelamento provisório do reforço das inspecções sobre os veículos automóveis, que também deveria entrar em vigor no início do ano – uma medida que iria traduzir-se num aumento do preço das inspecções.

A suspensão foi anunciada pelo próprio primeiro-ministro numa comunicação ao país, depois de ter sido apresentada numa reunião do grupo parlamentar do partido República em Marcha.

"Tempo de diálogo"

"O que estamos a enfrentar é um momento central do que se tem passado nos últimos cinco anos", disse o primeiro-ministro na reunião com os deputados, durante a qual censurou "o clima de grande violência" que "ameaça a democracia" francesa.

Na comunicação ao país, o primeiro-ministro disse que "nenhum imposto merece que se ponha em causa a unidade do país", numa referência à violência da manifestação de sábado em Paris.

"Agora é tempo de diálogo. Tenho a convicção profunda de que quando os franceses se sentam à volta de uma mesa as soluções aparecem. É isso que vos proponho que seja feito", disse Édouard Philippe, depois de sublinhar que entende "a raiva da França que trabalha muito e que não consegue viver com dignidade".

Na prática, a resposta do Governo aos protestos do movimento dos "coletes amarelos" é uma suspensão, por seis meses, de algumas das medidas que levaram milhares de pessoas para as ruas nas últimas semanas:

  • A suspensão do aumento dos impostos sobre os combustíveis;
  • A suspensão da convergência entre os impostos sobre os combustíveis;
  • A suspensão da convergência entre os combustíveis para profissionais e para particulares;
  • A suspensão do aumento das taxas sobre a electricidade e o gás.

A par destas medidas, o Governo vai promover "um grande debate sobre os impostos e a despesa pública", entre 15 de Janeiro e 1 de Março, para responder às exigências de uma distribuição fiscal mais justa.

"Os franceses não querem nem uma subida dos impostos, nem novos impostos. Mas se os impostos baixarem, é preciso que a despesa também baixe", salientou o primeiro-ministro.

O ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, não quer falar num "recuo" e disse que as medidas anunciadas esta terça-feira mostram que o Governo ouviu os cidadãos. "Ganhamos muito em ouvir, temos de evitar que se repita o que aconteceu no sábado. Não ganhamos nada com estas tensões", disse Blanquer.

Protestos vão continuar

Mas o anúncio do Governo não deverá acalmar um movimento que tem reivindicações mais profundas e que não tem uma liderança unificada. Em Bordéus, por exemplo, o grupo de "coletes amarelos" da cidade disse que vai manter os protestos.

"Não estamos nada satisfeitos. São apenas anúncios para acalmar a situação", disseram os gestores do grupo Yellow Friday Revolution 33, que tem mais de 5000 membros no Facebook.

"As acções de protesto vão continuar. Em termos globais, nada muda. Não há medidas para enfrentar os nossos problemas no dia-a-dia. Não há nenhuma medida para melhorar a nossa situação. Trata-se apenas da suspensão de medidas que iriam agravar ainda mais a nossa situação", disse uma das responsáveis do grupo, citada pelo canal BFMTV.

Outros porta-vozes informais do movimento dos "coletes amarelos" reagiram com muita precaução, descrevendo a suspensão do aumento do imposto como "um amendoim".

"Os franceses não querem apenas migalhas, querem toda a baguete", disse um dos representantes, Benjamin Cauchy, que insiste numa "nova distribuição da riqueza" em França e na realização de referendos sobre "os principais temas sociais".

Na segunda-feira, Cauchy disse que não iria reunir-se com o primeiro-ministro francês esta terça-feira, por ter recebido "ameaças nas redes sociais" de outros "coletes amarelos".

Cauchy fez ainda eco de uma das principais palavras de ordem dos manifestantes: a descrença nas elites. "Não somos marionetas de políticos que querem continuar a dar-nos lições. E é isso que nos diz a linguagem dos deputados do República em Marcha [partido de Macron] nas declarações que têm feito aos media."

O novo delegado-geral do República em Marcha, Stanislas Guerini, disse que a suspensão do aumento do impostos sobre os combustíveis vai "apaziguar o país", mas tanto o movimento dos "coletes amarelos" como os partidos da oposição já disseram que é preciso fazer mais.

A líder da extrema-direita, Marine Le Pen, disse no Twitter que a decisão do Governo "não corresponde às expectativas" porque, na prática, "é apenas um adiamento". E o presidente do Senado, Bruno Retailleau, dos Republicanos (direita), disse que o Governo tem de anunciar "o cancelamento puro e simples" do aumento do imposto.

Ségolène Royal, antiga ministra do Ambiente do Partido Socialista, disse que a suspensão do aumento do imposto deveria ter sido anunciada há mais tempo e voltou a criticar o objectivo da medida: "O Governo disse que aplicou este imposto por razões ambientais. Isso não é verdade. Faria sentido se as pessoas pudessem mudar de carro e poluir menos, mas não é esse o caso", disse Royal, repetindo a queixa de que poucos cidadãos podem aproveitar os incentivos fiscais para comprar veículos menos poluentes.

O dilema de Macron

Na segunda-feira, o correspondente da BBC em Paris, Hugh Schofield, antecipava que o Governo faria "uma comunicação" ao país até sábado, dia em que os "coletes amarelos" voltam a sair às ruas de Paris e um pouco por toda a França.

Mas o dilema de Macron é evidente, explica o jornalista: se não ceder a exigências dos "coletes amarelos", a violência pode repetir-se e até agravar-se; se ceder, "fará lembrar a velha forma de se fazer política em França e destruirá a sua imagem de político que marca a diferença. E pode até travar outras reformas até ao final do seu mandato."

O movimento de protesto contra o aumento do imposto sobre os combustíveis começou nas redes sociais mas tornou-se rapidamente num grito contra a evolução negativa do poder de compra dos franceses e da governação do Presidente francês, Emmanuel Macron.

Na semana passada, alguns representantes informais dos "coletes amarelos" apresentaram um documento com 42 reivindicações, que entregaram ao ministro da Transição Ecológica, François de Rugy. 

O último fim-de-semana ficou marcado por violentos protestos, sobretudo em Paris. As últimas informações indicam que 136 mil pessoas participaram na mobilização dos "coletes amarelos" em todo o país e que houve 263 feridos.

Sugerir correcção
Ler 89 comentários