"Um edifício em altura não é um bicho de sete cabeças"
Com a Torre de Picoas terminada, ergueu-se uma trindade de edifícios em altura na Av. Fontes Pereira de Melo. Da autoria do atelier Barbas Lopes, a arquitecta Patrícia Barbas defende aqui que a nova torre de escritórios permitiu à cidade ganhar espaço verde e um inesperado vazio numa zona muito consolidada de Lisboa. Os inquilinos com ambições de trabalharem no topo do mundo estão prestes a tomar conta do FPM 41, o nome mais cosmopolita de uma torre cor de champanhe.
Talvez por o atelier Barbas Lopes ocupar o espaço de uma antiga oficina mecânica, memória ainda visível nos dois pisos que o escritório ocupa no lisboeta bairro de Campo de Ourique, Patrícia Barbas, a chefe de uma equipa de sete arquitectos, explica que a cor quente e metalizada da nova torre que desenhou em Picoas é igual à de uma carrinha Audi de que já se desfez — tem a cor do champanhe. Depois, desconstrói essa piscadela de olho ao símbolo do luxo e da doce vida, comentando com humor que a cor ideal do edifício FPM 41 também pode ser descrita como cor de burro quando foge. São comparações que servem à arquitecta para explicar como este edifício se quis intemporal, como sempre ali estivesse estado, mas procurou também olhar para os vizinhos e estudar o contexto em que se insere.
Patrícia Barbas, 47 anos, é uma das poucas mulheres em Portugal que chefia, sozinha, um atelier de arquitectura conhecido. Uma situação recente, no entanto, que se seguiu à morte em 2016 do seu sócio e marido, Diogo Seixas Lopes, uma das vozes mais singulares da arquitectura contemporânea portuguesa, com quem estabeleceu a dupla Barbas Lopes desde 2006.
Vencedor em 2014 de um concurso de ideias de arquitectura lançado por um promotor imobiliário em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, o atelier Barbas Lopes está prestes a entregar aos futuros inquilinos esta obra com uma altura invulgar em Lisboa, principalmente feita por um atelier com a sua dimensão e jovem. Até à construção da torre de Picoas, rebaptizada com a sigla FPM 41, que identifica o número da porta na Av. Fontes Pereira de Melo, a artéria para onde está virada a entrada principal, a obra mais importante desenhada pelo atelier Barbas Lopes foi o Teatro Thalia (2012), feito em parceria com Gonçalo Byrne, mestre de várias gerações lisboetas.
Depois de várias polémicas, o FPM 41 é agora devolvido à cidade, criando um novo espaço público em seu redor, parte dele nascido em terrenos que são privados, como o novo atravessamento que vem da Avenida Fontes Pereira de Melo até à Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves.
Numa entrevista feita no atelier que começou com uma visita à obra de Picoas dias antes, Patrícia Barbas conta também que gostou de ver a sua torre dar origem a uma trindade em Picoas: “Gosto de números ímpares. Olho para o nosso edifício como parte daquela trindade que inclui o Sheraton e o Imaviz, um equilíbrio que se amplia às outras peças do xadrez.”
Chamamos torre ao FPM 41, que tem 17 andares e 67,87 metros de altura. O que é uma torre?
Pela definição do Plano Director Municipal (PDM), uma torre é um edifício em altura, mas isso não quer dizer que seja um arranha-céus. Ao longo deste processo de construção, houve quem chamasse arranha-céus ao FPM 41, geralmente porque queria criticar a opção de construir em altura em Picoas. Há muitas vezes esse equívoco entre torre e arranha-céus.
Como é que o PDM define exactamente uma torre?
Nos conceitos do PDM para os tipos de edifício, a torre é definida com uma edificação isolada, ou inserida numa frente edificada, onde se destaca por uma elevada altura de fachada. Ou seja, é um edifício mais alto do que largo, apresentando uma verticalidade demarcada e superior à dos edifícios envolventes. Estou a citar directamente.
Mas a cota máxima permitida naquela zona de Lisboa é definida pela empresa ANA, que tem a ver com o cone de aproximação à pista do aeroporto de Lisboa. Essa é a cota do Imaviz e esse era o nosso tecto, porque o Sheraton, um pouco mais alto, foi uma excepção permitida pela cidade.
Para subir ali até aos quase 70 metros, também segundo o PDM, o FPM 41 tinha de soltar-se das vizinhanças. Ou seja, este é um edifício em altura que não tem paredes meias com outros.
Quando avançaram para o projecto, como é que foi essa dança com os edifícios à volta, nomeadamente o Sheraton e o Imaviz?
Olhámos para a Av. Fontes Pereira de Melo, que sofre ali um alargamento, porque o Fórum Picoas e o Imaviz recuam e configuram uma praça. Era importantíssimo que o edifício se relacionasse com essa excepção na avenida. Do que me lembro, a partir das imagens a que tivemos acesso, éramos os únicos que virávamos a entrada principal para esta praça. Para nós, isso era óbvio.
O gesto arquitectónico de avançar aquela consola doze metros, a parte suspensa do edifício que marca a entrada principal, é também para fazer o alinhamento com a frente da Rua Latino Coelho, nomeadamente com a Maternidade Dr. Alfredo da Costa, criando uma linha invisível. Recuámos o envidraçado, o duplo pé-direito do lobby, para alinhar no contacto com o chão com o Saldanha Residence, situado do outro lado da avenida.
Esses alinhamentos, o tamanho do vazio da consola, servem para definir aquela esquina da praça. Usámos sempre como referência o Seagram, do Mies van der Rohe [Nova Iorque, 1958]. É um edifício de escritórios de uma inteligência enorme, porque o Mies puxa o edifício para trás e faz uma praça que permite olhar o edifício em altura. No fundo, Mies define exactamente a forma como apreendemos o edifício: estamos no alinhamento da avenida, o edifício recua e cria um vazio.
Voltando ao tema da torre pedida pelo promotor, com o Sheraton ao lado, que durante anos foi o edifício mais alto de Lisboa, e mesmo o Imaviz: a ideia de altura é imediata nesta zona de Lisboa?
Para nós era um exercício que fazia sentido, porque também ajuda a resolver a relação entre o Sheraton e o Imaviz, em que o desenho urbano ganha um terceiro elemento.
Além dos alinhamentos, o que é que foi importante também para desenhar a torre?
Nos textos que escrevemos dizemos sempre que quisemos desenhar um edifício sem tempo que pudesse mediar esta décalage, esta diferença de épocas que sente naquele triângulo que faz o encontro da 5 de Outubro com a Latino Coelho e a Fontes Pereira de Melo. Porque temos coisas do princípio do século, a maternidade e a casa-museu, e a Lisboa moderna dos anos 70. No desenho, na escolha dos materiais, tentámos sempre fazer ali um fade out, uma transição. Daí também o lado mais abstracto da fachada, que costumamos dizer que é um cortinado, porque faz ali um fundo para uma intervenção que não se limita ao edifício em si mas também à envolvente.
O desenho do espaço urbano é um contributo para fazer com que estas duas épocas completamente diferentes, o romantismo e os anos 70, comuniquem — o espaço do Ressano Garcia, autor do plano das Avenidas Novas, mais os dos arquitectos Ventura Terra e Norte Júnior, autores da maternidade e da casa-museu, versus o de Fernando Silva, autor do Imaviz e do Sheraton.
A relação com a maternidade e a casa-museu é resolvida com os espaços exteriores. Primeiro, com o atravessamento pedonal que abrimos no lado oposto à entrada principal. Para nós também era importante trabalhar esta questão do vazio, porque não é usual ganhar um atravessamento com 15 metros de largura numa avenida consolidada.
Essa abertura não é apenas uma contrapartida à construção em altura, porque há uma decisão de projecto de abrir o usufruto daquele espaço, propriedade privada da FPM 41, à cidade. Há uma dissolução dos limites entre o privado e o público, ou municipal, que nos interessou explorar.
Usam alguns truques para fazer a torre parecer mais alta? O tema da fachada em ziguezague é um deles?
Os 17 pisos e mesmo o formato do lote não são coisas muito esbeltas. Não fizemos um edifício-triângulo, compacto, mas partimos o edifício em dois corpos para ganhar arestas. É como se estivéssemos a esculpir um bloco, o que permite trabalhar as proporções.
O tema do plissado faz com que as linhas verticais ganhem mais preponderância.
Onde é que foram buscar esta modelação? Faz lembrar na vertical o tema do edifício da Liberty Seguros, também na Avenida Fontes Pereira de Melo.
Gosto imenso desse edifício [arquitecto António Gomez Egea, 1966]. Provavelmente, ele está algures no meu arquivo cerebral.
O grande problema num edifício de escritórios é a gigante carga de energia e a questão da iluminação dos espaços de trabalho. Com Guilherme Carrilho da Graça, da Natural Works, começámos a estudar como é que conseguíamos orientar a maior parte dos envidraçados para uma posição favorável em termos de luz, mas que ao mesmo tempo o edifício estivesse protegido de uma incidência directa. Daí os opacos e os transparentes do plissado, que nos permite orientar as janelas conforme a implantação do edifício.
Na Fontes Pereira de Melo e na Latino Coelho as duas orientações não são perfeitas, mas aí optámos por privilegiar a vista de rio, da ponte, do Cristo Rei, do Castelo. Para quem vai do Saldanha para a Fontes Pereira de Melo, o edifício é cego, mas para quem vem do Marquês de Pombal é transparente. Tal como no Teatro Thalia, discutimos sempre a ideia do edifício poder ser um camaleão. A roupa, a pele, muda conforme as alturas do dia e a questão da transparência versus opacidade também contribui para isso. De maneiras diferentes, o tom quente dos outros edifícios, como o Fórum Picoas, reflecte-se no nosso.
Como é que viram este salto em relação ao vosso trabalho? Desde logo, o tipo de programa, que não é normal em Lisboa. Depois a entrega desta encomenda a um atelier da vossa dimensão.
O processo foi mesmo muito interessante. Não há antecedentes de ter sido disponibilizada através de concurso uma encomenda para esta geração entre os 40 e os 50.
Uma torre é um programa difícil de fazer ou parece mais difícil do que é?
Na nossa resposta ao concurso, quisemos fazer as perguntas fundamentais para um programa que era um edifício em altura de escritórios nesta localização.
Claro que sabíamos das dificuldades, porque desde os anos 70 que há projectos de edifícios em altura de nomes aí da praça para este lugar preciso. Sabíamos da dimensão do desafio, mas atirámo-nos para um desafio destes como nos atirámos para o que é dedicado à melhor forma de actuar no Palacete Barão de Santos, uma remodelação que estamos a fazer e uma coisa muito mais miúda. Se formos falar de metros quadrados, são diferenças abissais, mas é curioso que os dois levaram o mesmo tempo a serem construídos.
O que é mais difícil de fazer numa torre? Ou vêem o FPM 41 mais como um edifício de escritórios?
É um edifício privado mas com uma presença pública que tem de ser enfrentada. Imaginámos o edifício com a quantidade de pessoas que o utilizam, porque estamos a falar de muita gente, mais de 1300 pessoas.
Uma das questões colocadas foi o que define um espaço de trabalho no princípio do século XX, agora, e o que é que poderá vir a ser. Para nós era fundamental desenhar espaços de trabalho livres de qualquer elemento estrutural, que fossem tão flexíveis que pudessem hoje ser usados por uma empresa que quisesse espaços de trabalho muito formais — gabinetes e salas de reuniões, tudo repartido — e amanhã ser a sede da Google, que é tudo openspace e informal. Como este é um edifício shell and core, o coração, as entranhas e a pele é nossa, mas os interiores das fracções são projecto de quem aluga, até porque correspondem a imagens corporativas. Por isso, a flexibilidade dos espaços de trabalho está directamente ligada à questão da estrutura.
Com essa flexibilidade, o FPM 41 é um edifício que ultrapassa o próprio uso de escritório?
Exacto, amanhã aquilo poderá ser um edifício de habitação, um hotel. São espaços em aberto, com vãos que atingem os 22 metros e que impressionam.
Que outras perguntas se fazem ao projectar uma torre?
A esta escala é preciso haver racionalidade construtiva, porque há um promotor que faz um investimento e quer ter retorno. A aritmética das escolhas que fazemos tem de ser economicamente viável e aguentar um longo processo de escrutínio. Um processo destes tem que ter em conta as várias entidades oficiais que o analisam, desde os bombeiros aos vários departamentos da câmara, passando pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), e considerar que as possibilidades de comercialização do edifício podem evoluir com o tempo. Por exemplo, uma das duas lojas que é alugada por um dos inquilinos vai ser usada como segunda entrada.
Esse poder de adaptação do edifício, de ele poder mexer sem perder verdadeiramente o essencial, é um motivo de satisfação agora que vemos o fim desta aventura. Fizemos as perguntas e as apostas certas.
A última questão, entre as perguntas principais de que ainda não falámos, é a do conforto ambiental e da performance energética, que são fundamentais. Um edifício de escritórios é um consumidor de energia e houve uma série de medidas implementadas que contribuem para que ele não seja só uma esponja de consumo. Temos a fachada que responde a uma ventilação natural, com 48 janelas que abrem, pois era um absurdo desenhar um edifício em Lisboa completamente fechado, uma vez que temos um clima ameno para o quente. Depois, temos a cobertura mais alta que é técnica, forrada a painéis fotovoltaicos, com o edifício a produzir energia para compensar o que consome. Os próprios elevadores produzem energia ao andar para cima e para baixo e injectam-na para se alimentarem a si próprios.
Porque é que optaram por a cobertura não ser visitável?
Criámos uma cobertura visitável no corpo mais baixo virado para a 5 de Outubro. É muito difícil que um edifício em altura produza energia suficiente, porque tem uma implantação muito pequena em relação à área total, mas para nós era mais importante que o edifício se compensasse a si próprio do que ter uma grande cobertura visitável. Até porque essa utilização é privada, não estávamos a desenhar um miradouro público.
Além da cor champanhe que cores é que discutiram para o edifício?
Sempre falámos de champanhe bronze, porque não sabíamos muito bem qual era o espectro. O bronze, o castanho metálico, vem do Sheraton, mas há ainda o amarelo do Imaviz e o salmão do Fórum Picoas. O champanhe acaba por ser mais claro, mas mesmo assim não é um dourado. Tem também a ver com a forma como os edifícios se reflectem no nosso, porque há ali umas horas do dia em que o Picoas e o salmão aparecem reflectidos. Já falámos um pouco dessa cor de burro quando foge quando fomos à obra, uma cor parda que do nosso ponto de vista reage bastante bem à questão da incidência da luz
Quais são os materiais usados na torre?
O betão e o aço da estrutura, o sistema é misto, o alumínio lacado da fachada, o vidro e depois temos apontamentos em madeira e mosaico de vidro, porque queríamos que o espaço do escritório tivesse um espírito de conforto e de “luxo”. A pastilha que vemos na entrada é um tributo ao Seagram do Mies, que a usa frequentemente.
Há um número suficiente de mulheres com visibilidade a fazer arquitectura em Portugal?
Ainda não há equilíbrio na representatividade, mas temos arquitectas em Portugal a fazer um óptimo trabalho, no ensino, na teoria e na práctica. Alguns exemplos do último caso: Inês Lobo, Paula Santos, Désirée Pedro (na dupla Atelier Corvo), Graça Correia (na dupla Correia-Ragazzi), Margarida Grácio Nunes (dupla com Fernando Salvador), Catarina e Rita Almada Negreiros (CAN RAN) e também mais novas como Ana Jara e Lucinda Correia (Artéria), Sofia Couto (na dupla Aurora), Ana Luísa Soares (do trio FALA)... só para nomear algumas.
A primeira licenciada em Arquitectura em Portugal foi em 1942 em Lisboa, a Maria José Estanco, e a segunda em 1943 no Porto, a Maria José Marques da Silva. A integração das mulheres na profissão é uma história recente e corresponde a uma transformação na mentalidade em Portugal. Basta pensar que só depois da revolução é que em Portugal o direito de voto se tornou universal e não discriminatório.
Felizmente os tempos são outros e é cada vez mais comum encontrar mulheres arquitectas na obra, que era um ambiente “naturalmente” misógino. Há mulheres a ocuparem cargos de projectistas, de fiscalização ou mesmo, do lado das construtoras, de preparação de obra. Ainda não as encontramos como directoras de obra, é um facto, mas aí também não há arquitectos mas engenheiros. Nas câmaras, nos últimos anos, tenho tido mais reuniões com colegas do sexo feminino do que masculino.
Mas nesse mundo das obras há situações em que por se ser mulher também há privilégios. Não se diz palavrões em frente à arquitecta. Lembro-me que queríamos ter um local de trabalho na obra para fazer o acompanhamento e foi discutida a questão das caves, escuras, não serem “um lugar para uma senhora”. Também podemos usar isso a nosso favor, porque há sempre esse efeito de cerimónia.
Com a morte do Diogo Seixas Lopes deixou de trabalhar em dupla. Como é que o atelier se reorganizou?
Ainda estamos num processo de organização, porque é uma perda. Os Barbas Lopes representam uma forma de olhar a disciplina e esses princípios continuam válidos. Nós, como o Siza, acreditamos mesmo que a arquitectura é uma disciplina poética, que é muito mais do que uma resposta a um problema. Para nós, é a poesia e a ética.
Já têm projectos sem o Diogo?
O Chalet Faial, em Cascais, novamente uma reabilitação de um edifício do século XIX. Fizemos também o projecto aqui para a nossa casa-atelier. É um projecto antigo, que nunca foi desenvolvido porque depois eu e o Diogo percebemos que se calhar não era boa ideia vivermos no sítio onde trabalhávamos, porque não só éramos sócios como éramos casados. Seria uma partilha total e recuámos nessa decisão de fazer aqui casa-atelier. Voltar a essa solução é uma decisão minha, mas com um projecto completamente diferente.
Claro que é muito diferente trabalhar sem ser em dupla, porque a vantagem é ter ali um espelho que não é bem um espelho. Tínhamos muitos anos de navegação conjunta e sendo pessoas diferentes a coisa era muito complementar.
Agora é a chefe do atelier?
Sim, num atelier de sete pessoas, contando comigo. Faz imensa falta esse complemento. O que tento fazer é manter o mesmo género de exercício com a equipa.
O que é que acha que a cidade pode aprender com este projecto?
Acho que se pode aprender que as mudanças não são sempre para pior. Há este pessimismo incutido e quando há uma alteração achamos que só vai piorar. Um edifício em altura não é um bicho de sete cabeças.
Mas os edifícios em altura são uma questão maior do que Lisboa e do que Portugal, porque permitem uma ocupação menor de espaço. Abrem outras hipóteses, como a criação de espaços verdes, de espaços públicos.
Nos últimos anos, os portugueses estão finalmente a viver o espaço público e voltou-se ao espaço fora de casa como continuação de um espaço de estar. No Jardim da Estrela, é impressionante a quantidade de pessoas sempre que há um raio de sol.
O FPM 41 abre a possibilidade de devolver espaço público à cidade e mostrar que um edifício em altura não é o tal bicho de sete cabeças.
Porque é que a cidade tem essa desconfiança em relação aos edifícios em altura? Onde é que eles se podem construir?
Onde? Claramente há sítios na cidade onde não faz sentido nenhum construir em altura.
Como a cidade histórica?
Sim. Mas é curioso ver que os portugueses vão para Nova Iorque e vêem edifícios históricos de três pisos ou quatro ao lado de uma torre e acham tudo normalíssimo, mas cá é uma coisa disruptiva. É considerado um corte e que estás a destruir uma tradição qualquer.
Em Nova Iorque o histórico é a construção em altura.
Se calhar não é o melhor exemplo, mas Zurique, que até há uns anos não tinha edifícios nenhuns em altura, agora tem. Porque é um caminho normal, exactamente por causa dessa questão de ocupação do solo, para não termos uma cidade tão em extensão, não sermos uma Los Angeles.
Voltando aos locais onde se pode construir em altura: estou a lembrar-me das torres do Siza para Alcântara e isso para mim não tinha problema nenhum. Fazia sentido porque temos os pilares da ponte, que é um elemento vertical. Era pôr as coisas a falarem umas com as outras.
E quanto à desconfiança de Lisboa em relação às torres?
Em Lisboa essa desconfiança do edifício em altura é uma questão histórica, mas ele abre a possibilidade de se poder devolver espaço público à cidade, como já disse. Temos dossiers e dossiers de projectos que nunca foram para a frente, desde o Norman Foster ao Álvaro Siza, principalmente por serem edifícios em altura.
Quando olha para o Sheraton e para o edifício Imaviz, quais são as ligações que gosta de ver com o FPM 41?
Olho para o nosso edifício como parte daquela trindade que inclui o Sheraton e o Imaviz, que depois também se amplia às outras peças do xadrez. Eu gosto dos números ímpares, gosto dessa trindade.
Aquele triângulo, que se faz do encontro da 5 de Outubro com a Latino Coelho e a Fontes Pereira de Melo, é uma excepção e um acerto na grelha ortogonal do plano das Avenidas Novas. Por causa do peso que os carros tomaram nas faixas laterais, esse triângulo inclinado que sobrava era um “jardim” e tornou-se um sítio de ninguém. Mas nós fizemos um plinto, um espaço de estadia o mais plano possível, e a nossa referência era o jardim que aqui existia do Hotel Aviz, com aquela exuberância toda.