Alcobaça: uma viagem sem pressa de regressar a casa

Chegou a Alcobaça. O Mosteiro, classificado como Património da Humanidade pela UNESCO em 1989, é a sua primeira paragem. Este monumento guarda quase 900 anos de história e abre as portas para uma cidade de visita obrigatória no Ano Europeu do Património.

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“Por mais que tente e que faça, quem passa por Alcobaça tem que por força voltar”, já cantava (e bem) Maria de Lourdes Resende. Uma canção que imortalizou Alcobaça e, em troca, Alcobaça imortalizou-a dando o seu nome a uma das principais ruas da cidade.

É lá que começa esta visita guiada, a caminho do centro, onde Alcobaça se ergueu entre os rios Alcoa e Baça. Há quem defenda que o seu nome não nasceu simplesmente deste acaso geográfico, mas sim devido à sua ocupação árabe, época em que era chamada “Al Cobaxa”. 

Mas é a Ordem de Cister que conta a história desta cidade. “A Ordem de Cister é uma ordem religiosa católica e os seus membros religiosos são os monges também conhecidos por cistercienses”, explica Maria Alegria Marques, professora catedrática e membro do Centro de História da Sociedade e da Cultura. Estima-se que estes realizassem um trabalho muitíssimo importante, sem o qual os Templários não teriam a necessária retaguarda para o desempenho da sua missão de monges-guerreiros ao serviço de uma nação e de um objectivo global: a união do Ocidente e Oriente em torno de um império espiritual.

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“Cada vez mais me convenço que existem todos os indícios de que os monges cistercienses terão chegado a Portugal na década de 1130. O primeiro local onde eles terão estado terá sido no Mosteiro de São Cristóvão de Lafões. Logo depois, teremos uma fundação em Tarouca”, prevê Maria Alegria Marques. E como é que os monges ocuparam Alcobaça? “O primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques e a sua mulher Rainha D. Mafalda doaram as terras de Alcobaça à Ordem de Cister como agradecimento do monarca pela ajuda na conquista de Santarém aos mouros”, diz a autora da obra “Estudos sobre a Ordem de Cister em Portugal”. Durante este período, a conquista de territórios a sul e o respectivo povoamento eram determinantes para a consolidação de Portugal enquanto país. Ao mesmo tempo, a Europa reassumia a necessidade de continuar a marcar a presença num mundo que assistia igualmente ao avanço ameaçador do Islão.

“Claro que aqui poderíamos colocar outras questões: como é que a Ordem do Cister (que remonta à fundação da Abadia de Cister em território francês) soube do conhecimento desta terra em Portugal?”, questiona Maria Alegria Marques. “Havia gente do nosso território que conhecia estrangeiros e estou convencida que estabeleceram contactos com gente que conhecia Cister. Eles vieram para aqui e não vieram por acaso. Eles sabiam para onde vinham”, afirma a professora catedrática que é também membro da equipa do Projecto do Museu Cisterciense de Alcobaça. Assim, a 8 de Abril de 1153 regista-se a data da fundação da Abadia de Santa Maria de Alcobaça e da sua Carta de Couto. A construção do templo foi iniciada em 1178, tendo como inspiração a abadia de Claraval (em França), sede da Ordem de Cister. O Mosteiro de Alcobaça foi assim construído num estilo a que se chamou Gótico Primitivo, que tem o seu expoente máximo na Catedral de Notre Dame, em Paris. “Inicialmente, o Mosteiro de Alcobaça não era aquilo que hoje nós vemos. Provavelmente, a primeira construção seria em madeira como era normal. Depois de nascer um pequeno Mosteiro é que se lançou realmente a obra do grande Mosteiro que os séculos nos deixaram”, alerta Maria Alegria Marques.

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“A partir daí, os monges vão iniciar todo um trabalho de fixação que é extraordinário. Quem vai fazer Alcobaça vão ser efectivamente os monges com o seu trabalho de desbravamento de terras, secagens de pântanos e de lançar todas as bases da vida”, conta. E como é que era a vida dentro do Mosteiro do Alcobaça? “Os Mosteiros de Cister, de uma maneira geral, estão ligados a um certo entendimento espiritual do mundo e da vida. O Mosteiro de Alcobaça é um deles. Lá viviam os monges que seguiam a regra do ‘ora et labora’ (reza e trabalha) – aqueles que fizeram profissão – e os conversos com um hábito de cor castanha”. São esses que trabalhavam as terras, tinham vivências próprias e não estavam obrigados aos ofícios divinos como os monges brancos.

Um lugar de amor eterno

Hoje é impossível ignorar a imponência do Mosteiro de Alcobaça que foi classificado pela UNESCO como Património Mundial em 1989. É uma obra de séculos com um ambicioso conjunto arquitectónico de 220 metros de comprimento que se divide em 3 corpos: a igreja, a ala Norte e a ala Sul. Da época medieval são igualmente algumas dependências que permitem imaginar como seria o quotidiano dos monges que o habitaram. Deste edifício é de destacar a fachada, a Igreja, a sala dos túmulos, a Capela de S. Bernardo, a Capela do Senhor dos Passos, o Claustro de D. Dinis, as salas do Capítulo e dos Monges, a Cozinha e o refeitório, o dormitório e a sala dos Reis.

“E outros espaços que, ao longo dos séculos, foram convertidos e outros deitados abaixo para se fazerem coisas novas de acordo com as exigências dos tempos”, acrescenta a professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. “Por exemplo, o dormitório dos conversos que era uma parte importante dentro do Mosteiro e que não temos hoje no Mosteiro de Alcobaça porque foi deitado abaixo para as obras do século XVII.” Posteriores, e seguindo por isso a complexa estética barroca, há espaços igualmente interessantes, como a Sacristia Nova, a Capela Relicário, assim chamada por possuir 89 esculturas-relicário, e a Capela de Nossa Senhora do Desterro, com um interior revestido a azulejos, com episódios bíblico, como a Fuga e o Regresso do Egipto e passos da vida de Jesus. Foi, inclusive, neste Mosteiro ­ um dos quatro lugares Património Mundial do Centro de Portugal ­, que se deram as primeiras aulas públicas em Portugal.

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No entanto, falar no Mosteiro de Alcobaça é falar também da maior história de amor da História de Portugal. A paixão trágica de D. Pedro e D. Inês de Castro está lá imortalizada e é a prova, desde o século XIV, que o amor pode ser eterno. Quando D. Pedro morreu, em 1367, deixou no seu testamento a vontade de ser sepultado em Alcobaça junto com D. Inês. No seu túmulo encontra, inclusive, uma rosácea, dividida em duas faixas circulares, onde estão representadas cenas de vida dos dois amantes. Já no túmulo de D. Inês de Castro encontra episódios da Bíblia. Nos pés, está representado o dia do Juízo final, o dia em que as almas são julgadas. E nas faces laterais, estão as cenas da vida de Jesus Cristo, desde a sua nascença até à sua Crucificação. Uma homenagem a um amor que se estende pelo centro da cidade, pelo Jardim do Amor e pelo Percurso Camoniano. É neste último local onde encontra peças de cerâmica que nascem da interpretação do episódio Inês de Castro de “Os Lusíadas” de Luís Vaz de Camões. Desde os finais do século XIX que Alcobaça se afirma como um território de expressão da cerâmica artística. Em pleno século XX, existem inúmeras fábricas que promovem a identidade alcobacense imortalizada no Mosteiro de Alcobaça.

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Uma cidade doce, sem arrependimentos

Mas a visita ao Património Mundial do Centro de Portugal, acompanhada pela Turismo Centro de Portugal, continua. Alcobaça está actualmente em expansão de olhos postos no futuro sem, no entanto, esquecer as suas tradições indissociáveis da presença, durante quase 700 anos, da Ordem de Cister. O legado da Ordem de Cister transformou Alcobaça na cidade dos doces conventuais e as trouxas-de-ovos têm grande parte da sua origem nos conventos e mosteiros portugueses. As claras de ovos utilizadas para a confecção de hóstias ou para engomar os hábitos deixavam as gemas que, para não serem desperdiçadas, levaram as freiras e frades a criarem doces ricos em açúcar e gemas.

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Actualmente o património estende-se ao vale em redor do Mosteiro, próximo da Serra dos Candeeiros, uma região fértil propícia ao cultivo da fruta e do vinho. Tradição, essa, que ainda hoje se mantém e pôs a ginja e maçã de Alcobaça na boca do mundo. É uma das principais marcas do concelho ao lado da Chita de Alcobaça. Um tecido de algodão estampado originário da Índia, que foi trazido para a Europa pelos portugueses no século XV, tendo tido grande sucesso nos séculos XVII e XVIII tanto para decoração como para vestuário. De facto, a visita à região de Alcobaça é inegavelmente enriquecedora: dos Mosteiros de Alcobaça e de Coz ao Museu Nacional do Vinho, passando pela gastronomia rica e variada, não faltam eventos culturais e praias que deixam quem passa por Alcobaça com vontade de lá voltar.

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A operação Lugares Património Mundial do Centro é promovida e coordenada pela Turismo do Centro de Portugal em colaboração com os municípios de Alcobaça, da Batalha, de Coimbra e de Tomar, a Universidade de Coimbra e em parceria com o Ministério da Cultura, através da Direcção Geral do Património Cultural e da Direcção Regional de Cultura do Centro.