Senado norte-americano vota a favor da suspensão do apoio à Arábia Saudita no Iémen

A decisão desafia o Presidente Trump, que continua a defender a Arábia Saudita quanto à morte do jornalista Jamal Khashoggi. Contudo, uma resolução das Nações Unidas para um cessar-fogo não passou.

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Iemenitas nas ruínas de uma casa em Amran, no Iémen Reuters/KHALED ABDULLAH

Desafiando o Presidente Donald Trump, o Senado dos Estados Unidos aprovou na quarta-feira à noite uma moção no sentido de pôr fim ao apoio militar à Arábia Saudita na sua operação de guerra no Iémen.

A decisão é vista como uma reacção à continuada defesa que Trump tem feito da monarquia saudita e à crescente crise humanitária no Iémen. Ao mesmo tempo, uma resolução das Nações Unidas para um cessar-fogo imediato foi inviabilizada pelos EUA e outros Estados-membros, após uma campanha de pressão política levada a cabo pela coligação árabe sunita liderada por Riad.

Com 63 votos a favor e 37 contra, o Senado de maioria republicana votou a favor de uma proposta bipartidária para barrar o apoio norte-americano a Riad, horas depois de o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, e de o secretário da Defesa, Jim Mattis, terem dito que a moção iria agravar a guerra no Iémen, já que esforços diplomáticos para acabar com o conflito estão a ser feitos.

A votação final está agendada para a próxima semana. E pode ser chumbada na Câmara dos Representantes, também de maioria republicana (a nova câmara dominada pelos democratas só inicia funções em Janeiro), que chumbou moções semelhantes no passado. Em 2017, uma medida idêntica não foi aprovada.

Contudo, o clima político alterou-se. As circunstâncias da morte do jornalista Jamal Khashoggi e a crescente preocupação com a forma como a Arábia Saudita está a gerir o conflito no Iémen, que de acordo com as estimativas já matou directamente mais de 50 mil pessoas, estão a motivar a tomada de posições mais severas em relação a Riad.

A organização Save the Children anunciou na semana passada que cerca de 85 mil crianças morreram de fome como consequência dos esforços da coligação árabe sunita para estrangular a economia em áreas controladas pelas forças huthi. Segundo a ONU, 13 milhões de pessoas estão em risco de morrer à fome se não se puser ponto final aos bombardeamentos.

“Os sauditas descarrilaram. Mataram mais pessoas este ano do que nos anos anteriores da guerra do Iémen”, disse o senador democrata Chris Murphy à agência AFP. “Obviamente que cometeram um enorme erro estratégico ao raptar e assassinar Jamal Khashoggi. Por isso, muito mudou nos últimos meses para nos fazer chegar ao ponto em que estamos hoje.”

Outra das razões para a aprovação da medida por parte do Senado foi a cadeira vazia onde deveria estar a directora da CIA, Gina Haspel. Estava previsto que a directora da agência de serviços secretos testemunhasse perante o Senado sobre o relatório que liga directamente o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, à morte de Jamal Khashoggi no consulado do país em Istambul, a 2 de Outubro. Mas Haspel não compareceu.

O senador republicano Lindsey Graham disse que o seu voto a favor da moção foi uma consequência da ausência de Haspel: “Para mim a questão não é se a CIA tem confiança na conclusão de que o príncipe herdeiro foi cúmplice no assassínio do sr. Khashoggi - não vou abdicar do direito de ouvir a CIA”.

O senador democrata Bob Menendez, por sua vez, disse aos jornalistas que a ausência de Haspel foi “inadmissível” e um “encobrimento”.

Ainda que o porta-voz da CIA, Timothy Barrett, tenha negado em comunicado que a Casa Branca barrou a presença de Haspel, o senador democrata Dick Durbin afirmou que foram Mattis e Pompeo a dar essa informação aos senadores, diz o diário britânico The Guardian. Barrett acrescentou que Haspel, que foi à Turquia ouvir a gravação da morte do jornalista que era uma voz crítica de Mohammed bin Salman, tinha dado explicações sobre o relatório aos membros do Congresso e do Comité de Serviços Secretos do Senado. Contudo, apenas um dos 14 republicanos que votaram a favor da moção tinham obtido explicações por parte da directora, diz o The Washington Post.

Mattis e Pompeo, que, à semelhança do assessor de Segurança Nacional John Bolton, disseram que não ouviram a gravação nem têm intenções de o fazer, afirmaram que após analisarem o relatório da CIA não encontraram qualquer prova sobre o envolvimento do príncipe herdeiro na morte de Khashoggi.

“Não há nenhuma prova concreta”, disse Mattis aos jornalistas na Casa Branca, salientando que ainda acredita que os culpados pela morte do jornalista devem ser castigados.

Cessar-fogo da ONU barrado

Os diplomatas britânicos na ONU acreditavam ter o apoio dos EUA, já que Pompeo e Mattis apelaram a um cessar-fogo no Iémen no final de Outubro. Contudo, a pressão do Reino Unido para que a moção de cessar-fogo fosse adoptada no Conselho de Segurança rapidamente devido à ameaça da fome no Iémen foi travada não só pelos aliados americanos, como pela China, Cazaquistão e Etiópia, que temiam que as conversações de paz, agendadas para Dezembro na Suécia, não acontecessem se a medida fosse aprovada antes.

“Os sauditas chantagearam vários Estados-membros com a possibilidade de não irem à Suécia se a moção fosse aprovada”, disse um diplomata, segundo o The Guardian. “Eles não querem que a sua capacidade militar seja limitada, e acreditam que conseguem derrotar os huthis.”

A resolução do Reino Unido apelava a um cessar-fogo na cidade portuária de Hudheida, por onde chegavam 80% das importações do Iémen antes do eclodir do conflito. Pedia ainda garantias de ambos os lados de que ajuda humanitária fosse concedida, como medicamentos e refeições. A proposta foi muito criticada pelo príncipe herdeiro quando o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, visitou Riad, a 12 de Novembro. Ainda assim, a resolução seguiu em frente, limitando o cessar-fogo a Hudheida e evitando qualquer crítica directa à coligação árabe sunita.

A porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Heather Nauert, disse na quarta-feira que o foco é “apoiar o trabalho” do enviado da ONU, Martin Griffiths, nas conversações de paz.

“Ele tem um processo em andamento, e acreditamos que está a progredir. Quando conseguimos que dois lados que têm lutado de forma tão feroz durante tanto tempo se sentem juntos, estamos certamente a fazer progressos.”

Cinco agências humanitárias emitiram um comunicado na segunda-feira, no qual advertiram que os EUA seriam culpados pela maior crise humanitária em décadas, se não suspendessem o apoio militar à coligação árabe sunita.

“Se o Governo do Iémen, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Ansar Allah [grupo dos huthi], e as outras partes do conflito não pararem, e se os EUA não utilizarem todos os níveis de pressão necessários para os persuadir a fazê-lo, a responsabilidade da morte de muitos mais iemenitas recairá não só nos autores do conflito, mas também nos EUA”, avisaram o Comité Internacional de Resgate, a Oxfam America, a CARE, a Save the Children e o Conselho Norueguês de Refugiados.

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