Portugal 2020: 46 empresas desistiram de receber apoios

Auditoria do Tribunal de Contas alerta para falta de fiabilidade do sistema de recuperação de dívidas que estava a ser usado pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão.

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Nelson Garrido

A Agência para o Desenvolvimento e Coesão, a entidade que tem a coordenação geral dos fundos da União Europeia que foram atribuídos a Portugal no âmbito do programa 2020, anulou 46 projectos empresariais por incumprimento dos prazos de execução a que estavam comprometidos, quer para o arranque do projecto, quer para apresentação do requerimento final. E foram, por isso, objecto de pedido de devolução do apoio. A informação foi dada ao PÚBLICO pelo Ministério do Planeamento e das Infra-estruturas (MPI) e reporta-se a 30 de Outubro.

De acordo com a mesma fonte, estes casos ainda não envolveram situações de anulação por incumprimento das metas contratualizadas, mas sim empresas que desistiram de avançar com os projectos a que se candidataram. As razões para tal acontecer estão relacionadas com alterações de estratégias do promotor, com falta de capacidade financeira ou com dificuldade na mobilização de parceiros para avançar com o projecto.

Os Sistemas de Incentivos do Portugal 2020 são instrumentos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) para o período 2014­-2020, destinados a apoiar empresas em função de prioridades de investimento definidas, podendo os apoios ser concedidos a fundo perdido ou a título reembolsável. Recorde-se que no Portugal 2020, e pela primeira vez nestes programas de financiamento comunitário, as empresas contratualizam, por exemplo, metas financeiras e a criação de postos de trabalho, podendo ter de devolver os incentivos caso não as cumpram. Mas, como explicou ao PÚBLICO fonte do MPI, uma vez que os projectos ainda não estão contratualmente encerrados (tal só acontece após a conclusão financeira), ainda não houve essa verificação no terreno.

Estes Sistemas de Incentivos são operacionalizados pelo Compete - Programa Operacional de Competitividade e Internacionalização e pelos Programas Operacionais Regionais do continente, e tiveram uma dotação financeira expressiva: 3965 milhões de euros, quase todos financiados pelo FEDER. Face ao total dos sistemas de incentivos, contabiliza o ministério, verifica-se uma taxa de anulação de 0,7% do número de projectos com pagamentos e de 0,3% do valor pago.

TdC faz alertas

Esta quinta-feira, o Tribunal de Contas (TdC) divulgou um relatório de auditoria a alertar para as elevadas dívidas das empresas aos fundos comunitários, chamando a atenção para o facto de a Agência de Desenvolvimento e Coesão (ADC) estar a trabalhar com um sistema de recuperação de dívidas com muitas deficiências. A pior de todas é a falta de fiabilidade das dívidas registadas, já que o TdC encontrou quase três vezes mais do que aquelas que estavam no sistema. A auditoria do TdC feita às operações registadas até 31 de Dezembro de 2017 encontrou dívidas de 20,6 milhões de euros, enquanto a ADC tinha registados apenas 7,2 milhões. No entanto, fora desse sistema havia já dívidas de mais de 20 milhões de euros e nenhum processo de cobrança coerciva em curso.

Por isso, a entidade fiscalizadora das contas do Estado exorta a ADC a apressar-se na conclusão do novo sistema de informação de suporte e registo destas dívidas, sistema esse que foi adjudicado em 2015 e devia estar pronto em Dezembro de 2017. Mas que, um ano depois, ainda não está.

Estas deficiências têm vários impactos negativos já que fazem aumentar o risco de as dívidas não reclamadas acabarem prescritas, potenciam novos incumprimentos e permitem que entidades (neste caso, empresas) com dívidas por regularizar aos fundos comunitários possam ver outros projectos aprovados, contrariando o que está definido por lei.

Os pagamentos às empresas são efectuados, na maior parte dos casos, a título de adiantamento, numa primeira fase, e como reembolso, nas fases seguintes. Quando são detectadas anomalias ou irregularidades, esses apoios devem ser devolvidos, sendo a ADC a principal responsável por essa recuperação. Só que, pelo facto de continuar a usar um sistema de informação e reporte baseado no anterior sistema contabilístico de dívidas, o Tribunal de Contas alerta nesta auditoria para vários riscos, entre eles o da prescrição de dívidas (pela sua não reclamação tempestiva) e o de virem a existir novos incumprimentos e consequentes dívidas a recuperar.

No relatório, percebe-se que a tipologia das dívidas identificadas se relaciona sobretudo com os adiantamentos concedidos aos beneficiários. Dos 66 processos de dívida registados no âmbito do programa Compete (o Programa Operacional Competitividade e Internacionalização), 59 eram devidos a “anomalias”, todos com origem em adiantamentos, e apenas sete devidos a outras “irregularidades”. O Programa Operacional do Norte também tinha 33 processos de dívidas com origem em “anomalias”, sendo a maior parte deles (19) relacionados com adiantamentos. O Tribunal de Contas também sublinha que, à excepção de um caso, não encontrou evidências de terem sido cobrados às empresas os juros previstos por lei. O dinheiro até então recuperado era de 1,2 milhões de euros.

A falta de fiabilidade do valor da divida registada foi uma das principais deficiências apontadas pelo Tribunal de Contas. O sistema que estava a ser usado pela ADC continha uma centena de processos individuais de dívidas registadas, no valor de 7,2 milhões de euros. Porém, fora desse sistema, mas registada pelas Autoridades de Gestão dos programas operacionais, havia 407 ordens de devolução emitidas até 31 de Dezembro. “Ou seja, quase três vezes superior ao valor registado”, como nota o TC. 

Para além de estarem muitas dívidas fora do registo - e o Tribunal de Contas considera que a demora nesse registo de dívidas é “injustificada” - o relatório chama a atenção para “os elevados montantes de dívida a recuperar” que ascendiam a seis milhões de euros (representando mais de 83%).

Segundo o Tribunal de Contas, a antiguidade das dívidas encontradas variava, em termos médios, nove meses no Compete e quatro meses no Programa Operacional do Norte. E, no sistema, não estava em curso nenhum processo de dívida em cobrança coerciva, apesar de algumas estarem constituídas há mais de 12 meses. “Esta demora pode comprometer a sua recuperação, face aos prazos de prescrição”, alerta o TC.

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