Mudanças no orçamento custam 100 milhões, mas Governo abdicou de mais receita
Novas medidas do Orçamento do Estado votadas na especialidade têm impacto correspondente a 0,05% do PIB. Novo escalão na derrama do IRC, que não avançou, garantia mais 25 milhões.
As alterações ao Orçamento do Estado aprovadas pelos partidos à esquerda e à direita do Governo vão representar, de acordo com as contas do executivo, um agravamento do défice público próximo dos 100 milhões de euros, um valor equivalente a metade de 0,1% do PIB. Mas há ainda um factor de incerteza em relação ao que irá acontecer na negociação com os professores e as carreiras especiais sobre a contagem do tempo de serviço.
O impacto negativo estimado fica, para já, consideravelmente abaixo dos cenários mais pessimistas traçados pelo Governo antes do início das votações na especialidade. O executivo alertou na altura para a possibilidade de o efeito nas contas públicas poder ascender aos 1000 milhões de euros, caso viessem a ser aprovadas todas as medidas em que havia um potencial de concretização de uma “coligação negativa” entre esquerda e direita.
Num cenário ainda mais pessimista (e também altamente improvável), foi ainda dito pelo primeiro-ministro na passada sexta-feira que a aprovação de todas as propostas de alteração apresentadas conduziria a um impacto orçamental negativo de 5700 milhões de euros, um valor que incluía, por exemplo, reduções de receita fiscal de 2000 milhões resultantes das medidas propostas pelo CDS e de 1428 milhões de euros pelo PSD, cuja aprovação nunca esteve verdadeiramente em cima da mesa.
No cálculo destes impactos globais (tanto no cenário dos 1000 milhões como no cenário dos 5700 milhões), o Governo incluía o agravamento da despesa que resultaria da contagem por completo dos anos de serviço de professores e carreiras especiais, o que tinha um efeito estimado de 600 milhões de euros, repartidos por vários anos. Mas o que acabou por ser aprovado pelos partidos à esquerda e à direita foi somente o regresso do Governo à mesa das negociações com os sindicatos, não impondo qualquer resultado em concreto. Qualquer alteração que resulte das negociações pode conduzir a uma revisão das contas.
Menos receita
Entre as propostas de alteração do OE aprovadas com um impacto orçamental imediato, quatro delas ajudam a explicar mais de dois terços do impacto líquido de 100 milhões de euros estimado pelo Governo. Todas têm a ver com uma diminuição de receita.
O executivo calcula que o chumbo da tributação autónoma dos veículos represente uma perda de 39 milhões de euros, que a descida do IVA na cultura de 13% para 6% tenha um impacto negativo de 24 milhões e que a dispensa automática do Pagamento Especial por Conta (PEC) faça o Estado perder 30 milhões de euros face ao que o executivo já estava a prever. Em compensação, a criação de um novo escalão no Adicional do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) pode fazer aumentar a receita em 30 milhões de euros.
Com um impacto total que é, para já, de 0,05% do PIB, é pouco provável que o executivo queira apresentar uma revisão da sua estimativa para o défice público de 2019, que é de 0,2% (depois de 0,7% em 2018).
O fim do PEC
O Governo já previa que o PEC deixasse de ser obrigatório, mas o que mudou entre o que propunha em Outubro e o que resultou da negociação na especialidade foi a forma como as empresas ficam dispensadas de fazer o pagamento (uma espécie de colecta mínima que é adiantada ao Estado em IRC). E essa diferença tem um impacto orçamental, porque em vez de as empresas terem de ir ao Portal das Finanças pedir para estarem dispensadas do PEC, como o Governo pretendia inicialmente, o fim do pagamento passa a ser automático.
Bastará que as sociedades não paguem o PEC e, com isso, o fisco assume que as empresas foram dispensadas. Na prática, o Governo calcula que haja mais empresas a beneficiar desta medida do que aconteceria se tivessem de ir ao Portal das Finanças pedi-lo, e por isso calcula um impacto adicional em 30 milhões de euros. À partida, o Governo já tinha assumido que o fim do PEC iria implicar menos 100 milhões de euros em relação a 2018, mas com este novo impacto a diferença sobe para os 130 milhões de euros.
O Governo contava com 39 milhões de receita ao agravar as taxas de tributação autónoma de IRC e IRS sobre os encargos das empresas com os carros de serviço (rendas, alugueres, seguros, despesas com manutenção, por exemplo), mas a intenção foi travada pelo PCP, CDS, BE e PSD. Em bloco, deixando o PS isolado, os partidos aprovaram duas propostas feitas pelos comunistas e centristas para eliminar o aumento proposto pelo Governo.
Derrama igual
Havia duas medidas colocadas em cima da mesa pelos parceiros de negociação que garantiam mais receita aos cofres do Estado, mas só uma delas acabou por ser aceite pelo PS — o novo escalão no AIMI. A bancada do PS não aprovou a criação de um escalão intermédio na derrama de IRC paga pelas empresas com mais lucros, o que significa que o Governo abdicou de uma receita de 25 milhões de euros.
Foi uma medida de aprovação incerta até ao fim. Nunca foi dada como “fechada” na negociação. E no próprio dia da votação na especialidade, na quarta-feira, os partidos à esquerda do PS não a davam como certa. No fim de contas, acabou chumbada pelo PS. O que esteve em cima da mesa passava por criar um escalão intermédio na derrama de IRC (passando a haver quatro patamares, com taxas de 3%, 5%, 7% e 9%). O resultado seria um agravamento do imposto para as empresas com lucros entre 20 milhões e 35 milhões de euros (ao passarem a ser tributadas a 7%, em vez de 5%).
Garantida está a receita com as alterações no AIMI, uma sobretaxa aplicada à soma do património imobiliário acima dos 600 mil euros. Os contribuintes singulares com um património acima dos dois milhões de euros vão ser alvo de um agravamento deste adicional, passando a ser tributados a uma taxa 1,5% sobre a parcela do património que fica acima desse patamar. Actualmente só há dois escalões: uma taxa de 0,7% para o património entre 600 mil euros e um milhão de euros; e uma taxa de 1% à fatia acima de um milhão.