Brasil já não vai receber a cimeira do clima de 2019

“Dificuldades orçamentais” e o “processo de transição” do Presidente eleito foram as razões dadas pelo Ministério das Relações Exteriores para a desistência.

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Manifestação na Cimeira do Clima de 2017 em Bona, na Alemanha Reuters/WOLFGANG RATTAY

O Governo brasileiro anunciou que já não vai receber a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP-25), marcada para 11 a 22 de Novembro de 2019. Depois de uma “análise minuciosa”, a decisão deveu-se a “restrições orçamentais” e ao “processo de transição” presidencial em curso, justificou o Ministério das Relações Exteriores, em comunicado.

“Tendo em vista as actuais restrições fiscais e orçamentais, que deverão permanecer no futuro próximo, e o processo de transição para a recém-eleita administração, a ser iniciada no 1 de Janeiro de 2019, o Governo brasileiro viu-se obrigado a retirar a sua oferta de sediar a COP-25”, pode ler-se no comunicado, disponibilizado pelo portal de notícias G1.

A estimativa é que seria necessário cerca de 400 milhões de reais (91 milhões de euros) para a realização da conferência do clima. Contudo, segundo declarações de altos funcionários do Ministério do Meio Ambiente ao jornal A Folha de São Paulo, a questão orçamental já estava resolvida desde Outubro, e o orçamento tinha sido aprovado em Junho pelo Congresso.

Para além disso, havia uma reserva de recursos para garantir a realização do encontro, que seria gerida de forma a impulsionar a economia brasileira de baixo carbono, particularmente nos sectores da agricultura e das energias renováveis. A última secção pendente e a aprovar ainda este ano seria a emenda que incluía a realização da cimeira, disseram ao jornal brasileiro.

O recuo surge dois meses depois do anúncio de que o Brasil se disponibilizava a receber a COP-25, divulgado em Outubro pelo Ministério das Relações Exteriores. Neste, o governo do Presidente Michel Temer celebrou o “papel de liderança mundial do país em temas de desenvolvimento sustentável, em especial no que se refere à mudança do clima”, que “a realização da COP-25 no Brasil confirma”. Referiu também que o título de anfitrião da cimeira reflectia “o consenso da sociedade brasileira sobre a importância e a urgência de acções que contribuam para o combate à mudança do clima”.

Em comunicado, o Observatório do Clima classificou a desistência como “lamentável”, ainda que “não surpreendente”, adiantando que “não é a primeira e certamente não será a última má notícia de Jair Bolsonaro nesta área”.

“Com o abandono da liderança internacional nesta área, perdem-se também oportunidades de negócios, investimentos e empregos. Ao ignorar a agenda climática, o Governo federal deixa também de proteger a população, atingida por um número crescente de eventos climáticos extremos. Estes, infelizmente, não deixam de ocorrer só porque alguns duvidam das suas causas”, acusaram.

A Greenpeace Brasil reagiu também de forma crítica. “Voltar atrás na decisão de sediar a COP não é apenas uma perda de oportunidade de afirmar o Brasil como uma importante liderança na questão do clima. O gesto é uma clara demonstração da visão de política ambiental defendida pelo novo Presidente, que revela ao mundo o que já havia dito aos brasileiros durante a campanha eleitoral; em seu Governo, o meio ambiente não é bem-vindo“, afirma Fabiana Alves, especialista da campanha de clima da organização, citada num comunicado.

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, disse igualmente ao jornal O Globo que a decisão “passa ao mundo uma imagem negativa” do Brasil, um país com importância internacional no que toca as discussões sobre as alterações climáticas.

“Para presidir este encontro, o país teria que manter e implementar medidas relativas ao tema. Acredito que tenha sido muito mais pelo novo governo do que pela questão orçamental.”

À semelhança do Presidente norte-americano, Donald Trump, o Presidente eleito Jair Bolsonaro é conhecido pela retórica nacionalista e sobretudo anti-globalista, tendo ameaçado sair do Acordo de Paris e ponderado juntar os Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. Essas decisões terão sido revertidas devido às muitas críticas recebidas - mas ainda não foi nomeado um ministro do Ambiente, por isso não é certo qual o caminho que será seguido.

Ambientalistas e organizações não-governamentais mostraram-se preocupadas com os efeitos que a junção dos ministérios pode ter nas políticas de gestão da Amazónia, como um aumento da desflorestação e consequente violência nas zonas rurais. Para além disso, as pastas dos dois ministérios poderiam entrar em conflito, devido às suas diferentes agendas políticas.

A escolha de um apoiante da política de Trump e especialista em Estados Unidos para ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também se revelou significativa na intenção de estreitar as relações entre o Brasil e os EUA. Mais significativo ainda é o facto de que para o novo ministro as alterações climáticas são um “dogma marxista”. Araújo publicou na segunda-feira um artigo no jornal Gazeta do Povo, no qual se comprometeu a combater o “alarmismo climático”, e acusou a ONU de não ter linguagem para “amor, fé e patriotismo”.

Também a nomeação da deputada Tereza Cristina para ministra da Agricultura, conhecida como a “musa do veneno” pelos seus esforços para que a utilização de pesticidas fosse liberalizada, foi controversa. Os ambientalistas temem que a falta de restrições no uso de pesticidas tenha um impacto ainda maior na saúde de produtores e consumidores (segundo dados da ONU morrem por ano 200 mil pessoas por intoxicação de pesticidas), já que o Brasil é o seu maior utilizador a nível mundial.

As cimeiras do clima são realizadas todos os anos em diferentes partes do mundo, e conforme a rotação regional cabe a um país do Grupo de Países Latino-americanos e Caribenhos (GRULAC) receber a edição de 2019. Espera-se que o anúncio seja feito no fim da cimeira deste ano, que tem início em Dezembro, em Katowice, na Polónia.

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