Duro amor de pai
Alguns inescapáveis clichés, mais ou menos “didácticos”, do típico filme sobre os “malefícios da droga”.
Primeiro filme americano do belga Felix van Groeningen (que em Portugal conhecemos por The Broken Circle Breakdown, estreado há uma meia dúzia de anos), Beautiful Boy conta a história, assente em testemunhos verídicos, da relação entre um pai e o seu filho toxicodependente. O filho é Timothée Chalamet, a “revelação” do Call Me By Your Name de Luca Guadagnino, o pai é Steve Carell, e de certa forma o filme funciona como um “confronto de actores”, os respectivos carismas a puxarem cada um para seu lado, como se do resultado de embate se decidisse se Beautiful Boy é mais um filme sobre um pai ou mais um filme sobre um filho drogado.
Sem menosprezo por Chalamet, pensamos que Beautiful Boy é melhor quando é um filme sobre um pai. Porque Carell, usando bem aquele desconforto típico do actor associado à comédia que é posto numa situação dramática, é inquietante e escorregadio por si mesmo, um homem obcecado pela salvação do filho, uma espécie de amor total que também corresponde a um exercício de “disciplina” quase doentia, e capaz — em nome do “amor”, justamente — da maior frieza (e é quando se revela esta dupla “natureza” da figura do pai, feita de entrega mas também de implacabilidade, que Beautiful Boy gera os seus momentos mais fortes). Mas, em torno disto, há um esforço excessivo por coarctar a dureza emocional, torná-la palatável para o espectador, fazê-la evoluir numa fórmula melodramática que está cheia de elementos de “rima” demasiado redondos (os dois tempos narrativos que o tempo alterna, entre os anos 90 e a década anterior, correspondente à infância do miúdo), e de apontamentos de “reconstituição de época” que tendem a ser sobretudo decorativos quando não apenas uma forma de “almofadar” a dureza crucial ao ponto central da narrativa (algo que passa bastante pela utilização da música, e se a selecção de canções é irrepreensível também configura uma espécie de “facilidade” melodramática). Ficamos, portanto, com um filme que, não sendo inútil nem correspondendo a um esforço vão, deixa insistentemente a sensação de preferir o cálculo do seu efeito sobre o espectador em detrimento da hipótese de trabalhar para a sua “perda” (ou para a sua “liberdade”) dentro da violência emocional da narrativa — que também se vai dissipando por entre alguns inescapáveis (?) clichés, mais ou menos “didácticos”, do típico filme sobre os “malefícios da droga”.