SNS tem de criar condições mais atractivas ou arrisca-se a ficar sem profissionais
Bastonários e administradores debateram falta de profissionais. Administradora do Centro Hospitalar do Algarve refere que tem falta de médicos em quase todas as especialidades.
Se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não conseguir criar condições mais atractivas, arrisca-se a ficar sem profissionais de saúde, alertou a presidente da administração do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA). Ana Paula Gonçalves referiu a situação da unidade que dirige que “tem escassez de médicos em quase todas as especialidades”.
A situação dos recursos humanos no SNS foi o tema da mesa redonda que antecedeu a entrega dos prémios ranking Top 5 – A excelência dos Hospitais 2018, realizado pela consultora multinacional Iasist, que decorreu esta terça-feira em Lisboa. Divididos por cinco categorias, de acordo com a dimensão, número de especialidades disponíveis e capacidade técnica diferenciada, os hospitais vencedores foram o Centro Hospitalar do Porto, o Hospital de Braga, o Hospital de Cascais, o Hospital da Figueira da Foz e a Unidade Local de Saúde do Alto Minho.
Para lançar o debate, foram apresentados alguns dados sobre a situação dos recursos humanos no SNS, com base no último relatório social do Ministério da Saúde. De acordo com retrato traçado, o número de médicos no SNS entre 2010 e 2017 cresceu 21%, enquanto o número de enfermeiros cresceu 8% no mesmo período. As restantes áreas profissionais registaram a tendência inversa. Também ficou claro que existe uma disparidade entre hospitais quando se contabiliza o número de médicos por camas.
Mas a realidade dos números que estão no papel, não é a mesma que os hospitais reportam. Ana Paula Gonçalves, administradora do CHUA, afirmou que no caso do Algarve o “rácio de médico por cama é de 0,39”, valor que classificou de “muito pouco” para a resposta que precisam de dar à população. “Temos escassez de médicos em quase todas as especialidades. Também temos falta de enfermeiros e outra área complicada é a dos assistentes operacionais”, que assume ser difícil atrair “com os salários mínimos que pagamos”.
Ainda assim, a responsável referiu que os profissionais “conseguem resultados extraordinários”. Mas é preciso fazer uma mudança para assegurar que se mantêm no SNS. “As novas gerações querem carreiras, mas também outro tipo de projectos. Se não conseguimos criar condições mais atractivas, daqui a 20 anos não teremos ninguém no SNS”, alertou.
O bastonário dos médicos corroborou a situação do Algarve, dando o exemplo de uma carência grave: “A cirurgia pediátrica tem um médico. Não chega. Quer dizer que uma criança se tiver de fazer uma intervenção mais delicada tem de vir para Lisboa. Tem de fazer 300 quilómetros.” Miguel Guimarães salientou que é preciso ver o aumento do número de médicos no SNS de outra forma, referindo que o grande acréscimo se deu pelo número de internos. Jovens médicos que ainda estão a tirar a especialidade e por isso com autonomia mais limitada.
Faltam enfermeiros e médicos
Também Ana Escoval, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Central, a que pertence o hospital São José, afirmou que se em algumas áreas o número de médicos é “confortável”, noutras não é assim. “Continuamos a ter áreas deficitárias. No caso dos médicos, a dificuldade centra-se na super especialização. Não conseguimos contratrar e depois fazem-se os concursos e os médicos são colocados noutros hospitais. Nos enfermeiros não temos autonomia suficiente para contratar as pessoas de que precisamos.”
José Barros, director clínico do Centro Hospitalar do Porto, passou uma imagem positiva, afirmando que "a maioria dos hospitais cumpre os tempos máximos de resposta" para consultas e cirurgias e desvalorizando a questão sobre se Portugal está a formar médicos a mais. "Se houver médicos a mais, não me parece drama nenhum porque há muitas oportunidades no estrangeiro ou noutras áreas". "Dramático", disse, "é a falta de especialistas em algumas áreas que não conseguimos contratar, como radiologia".
Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, afirmou que “faltam 30 mil enfermeiros no SNS” e que 15 mil estão a trabalhar no estrangeiro. A responsável lembrou que para colmatar a passagem das 40 horas para as 35 horas semanais de horário de trabalho são preciso 1700 destes profissionais. “Contrataram 1100 e prometeram mais 600 para agora. Não entraram”, disse, lembrando que os hospitais têm “dois milhões de horas” de descanso em dívida aos enfermeiros. “Preocupa-nos muito a taxa de absentismo dos enfermeiros, que a nível nacional ronda os 13%, nalguns hospitais os 15%, e isto acontece porque os enfermeiros estão completamente desmotivados.”
"Tempestade" ainda não passou
Já a bastonária dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, destacou o facto de a carreira que já foi criada ainda não estar regulamentada. “É um motivo de decepção”, apontou, referindo que “faltam 140 farmacêuticos” nas farmácias hospitalares. “Mas também o mesmo número de técnicos de diagnóstico e terapêutica e 60 a 70 assistentes operacionais” para que as equipas possam responder de forma adequada às necessidades.
O secretário de Estado da Saúde Francisco Ramos, que encerrou a entrega dos prémios, afirmou que a “tempestade” que caiu sobre o SNS ainda não passou. “No sistema de Saúde caiu-nos uma tempestade em cima com a intervenção externa e as restrições. Não temos a ilusão de com a saída da troika tudo passou. Há muito trabalho para recuperar dessa tempestade e o trabalho ainda não terminou”, disse, confessando ter a esperança que “2019 seja o primeiro ano de recuperação”.