Peru, família e tradição. Eles celebram o Thanksgiving em Portugal

O Dia de Acção de Graças festeja-se na quarta quinta-feira de Novembro. De Norte a Sul, entre americanos, portugueses e ingleses, há quem tenha trazido os costumes do outro lado do Oceano para Portugal.

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Jantar de Thanksgiving onde o menu foi todo preparado por Johnathan Cairns Natasha Guevara
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O chefe britânico Johnathan Cairns Natasha Guevara
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Um prato cheio de Thanksgiving Gail Aguiar
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O rei da festa Gail Aguiar
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Gail Aguiar

Uma mesa farta e cheia de cor e cheiros. No centro, o peru inteiro, o rei da festa, e seus acompanhantes. O recheio, normalmente feito de pão e ervas aromáticas, é cozinhado dentro da ave, mas também não pode faltar o puré de batata branca ou doce, uma travessa de vegetais, a típica casserole, seja de feijão-verde, couve-de-bruxelas, ou milho e um molho para a carne. Para sobremesa há a tradicional geleia de arandos e as tartes de abóbora ou de nozes pecan.

É este o cenário com que a maior parte das famílias norte-americanas se deparam na noite desta quinta-feira ao chegarem a casa de familiares para celebrar o Dia de Acção de Graças (ou Thanksgiving). Vinda de todos os cantos dos Estados Unidos da América, a população regressa às cidades onde nasceu para assinalar um feriado quase tão importante como a consoada de Natal em Portugal

Por lá, é celebrado na quarta quinta-feira do mês de Novembro, e assinala a abertura das celebrações natalícias. Por cá, o Dia de Acção de Graças tem arrecadado cada vez mais fãs e não só entre a comunidade norte-americana a viver em Portugal. Difundido por filmes, séries e cultura pop norte-americana, o Dia de Acção de Graças tem cada vez mais seguidores que fazem questão de o celebrar à boa moda americana. 

É o caso de Gail Aguiar, nascida no Canadá, mas a viver no Porto desde 2013. “Vivi grande parte da minha vida muito perto da fronteira americana e visitava o país com muita frequência. Antes de me mudar para Portugal ainda vivi por lá e hoje trabalho com americanos. Já me considero uma espécie de americana honorária”. Gail garante que se tiver companhia celebra todos os feriados americanos. Esta semana, come-se peru em dois dias, nesta quinta-feira e no sábado.

“Vivo no Porto desde 2013. Em 2011, escolhi Portugal como a minha viagem anual de aniversário a um novo país e apaixonei-me pelo Porto pela sua beleza única. Nessa mesma viagem conheci o meu marido, que é português, e acabei por me mudar para cá dois anos depois”, conta.

O peru assa-se inteiro

Actualmente, o Dia de Acção de Graças não é um feriado religioso, sendo, por isso, celebrado pela maior parte dos norte-americanos. Nas famílias mais religiosas, uma das tradições cumpridas é que todas as pessoas que estão sentadas à mesa digam uma coisa pela qual estão agradecidas nesse ano. 

Desde 2013 que Gail celebra o feriado com uma mistura de norte-americanos, portugueses e pessoas de outras nacionalidades. “Gosto de misturar toda a gente, faz com que o jantar seja mais interessante. Quando há portugueses presentes perguntam-me sempre se as celebrações são tal e qual como se vê na televisão”.

Em Portugal, a quadra natalícia também se festeja no mesmo espírito: a reunião da família e a partilha de uma refeição à volta da mesa. A grande diferença entre os festejos americanos e portugueses é que do outro lado do oceano também convidam amigos para os jantares em vez ser um feriado familiar.

Nos Estados Unidos da América e no Canadá, por exemplo, países de grande dimensão, há quem não tenha possibilidades de se deslocar para a cidade onde nasceu pelo Thanksgiving e pouco depois no Natal. “É muito por causa disto que os nossos amigos se tornam a nossa família por acabamos por festejar com eles”, conta Gail.

Dos Dias de Acção de Graças passados em Portugal, Gail não esquece o dia em que o festejou em Guimarães. “A esposa tinha dado ordens específicas para que o peru não fosse cortado, uma vez que é servido inteiro, mas quando o marido o foi buscar ao talho a asneira já estava feita. Quando demos conta, o peru era demasiado grande para o forno e acabamos por ter de o assar em casa de uma das convidadas, que, por coincidência, era vegetariana”.

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Tarte de batata-doce, um dos pratos típicos do Dia de Acção de Graças GAIL AGUIAR

Uma tradição como as vindimas

Mais a Sul, na capital, os papéis invertem-se. Scott Steffens, norte-americano, e Susana Cascais, portuguesa, são um casal e vivem há seis anos em Lisboa. São donos da Dois Corvos, uma fábrica de produção de cerveja artesanal. Não têm planos para regressar aos Estados Unidos num futuro próximo.

No primeiro ano em Portugal não celebraram o Dia de Acção de Graças ou qualquer outro feriado porque não tinham amigos americanos e não é um dia que os portugueses festejem. Mas, ao longo dos anos, tudo mudou. “Hoje à noite [quinta-feira] vamos a um jantar porque é de facto o Dia de Acção de Graças, mesmo que em Portugal não seja feriado, mas no sábado celebramos outra vez, com mais tempo para relaxar. É uma celebração sem muita chatice, não há troca de presentes, não há tradições religiosas. No geral, é um dia para reunir a família e amigos rodeados de muita comida e bebida”, conta Scott. 

Em casa de Scott e Susana, a refeição onde nunca falta o peru é geralmente servida por volta das 15h. Scott descreve: “Juntamo-nos ao início da tarde, jantamos, e vamos petiscando ao longo do dia. Depois de arrumarmos tudo, há sempre um jogo de futebol americano como pano de fundo ou os miúdos a brincar no jardim. Por volta da hora do jantar comemos as sobras, uma sandes de peru com mostarda, por exemplo”.

Susana Cascais já se habitou à tradição americana. Conta que um dos costumes passa por encorajar um potluck — o anfitrião é responsável por cozinhar a ave, a parte mais complicada, e os restantes convidados trazem um prato de vegetais, entradas ou sobremesa à sua escolha.

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Scott e Susana na Dois Corvos com a sua produção de cerveja artesanal NUNO FERREIRA SANTOS

Scott compara a tradição do Dia de Acção de Graças com as vindimas portuguesas. “Ambas celebram as colheitas, uma altura para agradecer o que a terra nos deu, com a diferença que uma se celebra na rua e a outra ao calor da lareira.”

Quando os amigos se tornam família

Para Ali Webb, de 42 anos, este será o décimo ano a organizar um jantar de Thanksgiving. Americana de gema, vive em Lagos desde a viragem do milénio. Nunca planeou ficar em Portugal, mas apaixonou-se pelo país quando escolheu o Algarve como destino de férias.

Todos os anos, Ali recebe cerca de 70 pessoas à mesa e ainda mantém a tradição de que todos, sem excepção, mencionem algo pelo qual estão gratos este ano. São amigos que vivem na zona de Lagos e vêm de todo o mundo: EUA, Angola, Brasil, Nova Zelândia, Inglaterra, Austrália, Itália, Suécia...

Além dos clássicos, Ali prepara todos os anos uma tarte de batata-doce com uma singularidade: “É servida com marshmallows derretidos por cima e comida com o jantar e não com as sobremesas. Primeiro, toda a gente acha muito estranho, mas, no final da noite, todos pedem a receita para fazerem em casa”, diz.

O Thanksgiving também se quer solidário

É para arrecadar fundos para o seu projecto Portal Radio que um casal de britânicos,  Sian Baker, 28 anos, e Dan Sheffield, 38 anos, está a organizar um jantar que celebra o Thanksgiving. Vieram para Portugal para criar uma rádio online de portas abertas a todos aqueles que queiram entrar, há dois anos, e por aqui foram ficando.

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Ali Webb e os amigos numa das celebrações do Thanksgiving ALI WEBB

Sian Baker conta que estão a organizar o jantar e todo o dinheiro arrecadado será reinvestido no seu projecto de rádio. Para tal, convidaram um chefe também britânico que já tem o menu clássico todo pensado — inclui vinho quente com aromas de fruta.

“Visto que há uma grande comunidade americana no Porto, pensámos que seria uma óptima maneira de conhecer novas pessoas, uma vez que não somos portugueses, e proporcionar a quem não conhece novos tipos de cozinha que podem não estar disponíveis por aqui”, conta Sian.

As portas estão abertas a todos os que queiram experimentar um jantar tradicional do Dia de Acção de Graças, mas para ter casa cheia o casal foi convidando amigos portugueses que já simpatizam com a tradição. “A comida e a música são óptimas formas de unir as pessoas”, remata Sian.

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