Sessão solene com João Lourenço na AR é sinal de deferência para com Angola
João Lourenço será o 18º chefe de Estado e/ou de Governo a discursar na Assembleia da República. A decisão foi tomada por Ferro Rodrigues, depois de falar com António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa.
Há menos de um ano, o Presidente da República de Angola ameaçava Portugal com represálias caso o processo judicial envolvendo Manuel Vicente não fosse remetido para Luanda. Esta quinta-feira, João Lourenço discursa no parlamento português, numa sessão solene perante as mais altas figuras do Estado, a convite do presidente da Assembleia da República. Um sinal de deferência para com o chefe de Estado angolano que, não sendo inédito, tem sido escasso.
Não existe um critério específico nem uma fundamentação especial para estas cerimónias, que são decididas pelo presidente da Assembleia da República em função de cada momento e situação político-diplomática.
João Lourenço será o primeiro Presidente angolano a ser “credor desse gesto de deferência”, nas palavras de um assessor de Ferro Rodrigues, que já aconteceu outras 19 vezes, com 17 chefes de Estado ou de Governo. Antes de o convidar, Ferro Rodrigues trocou impressões com o Presidente da República e o primeiro-ministro lusos.
“A vinda do Presidente João Lourenço à Assembleia da República, a casa da democracia portuguesa, é para nós motivo do maior regozijo. A intervenção do senhor Presidente no plenário será o momento alto dos actos solenes e será uma ocasião privilegiada de reafirmarmos os nossos laços profundos de amizade e fraternidade”, disse Ferro Rodrigues à Rádio Nacional de Angola no princípio desta semana. A cerimónia, que teve o apoio de todos os partidos políticos, obrigou mesmo o presidente da Assembleia da República a encurtar a visita à China.
Foi longo e atribulado o caminho da normalização das relações político-diplomáticas entre os dois países, desde que, em Fevereiro de 2016, se tornaram públicas as primeiras suspeitas do Ministério Público de que o vice-presidente Manuel Vicente teria corrompido o procurador Orlando Figueira, sendo suspeito no âmbito do processo Fizz. Apesar do convite ao Presidente da República luso para estar presente na sua tomada de posse, em Setembro do ano passado, João Lourenço fez questão de deixar Portugal de fora do seu discurso inaugural, em que nomeou uma lista de países prioritários nas relações políticas e económicas. Em Janeiro deste ano, ameaçou mesmo encerrar as representações diplomáticas em Lisboa e no Porto, mas acabou por nomear um novo embaixador, pouco depois de a justiça portuguesa ter decidido enviar o processo de Manuel Vicente para Luanda.
Depois disso, todas as nuvens se dissiparam nas relações diplomáticas e rapidamente se estabeleceu um calendário de visitas de Estado: António Costa visitou Luanda em Setembro, João Lourenço visita Portugal dois meses depois e já está a ser preparada pelas diplomacias a deslocação de Marcelo Rebelo de Sousa para 2019 – o convite oficial deve ser anunciado pelo Presidente angolano no primeiro encontro entre os dois.
É neste contexto político-diplomático que o convite para discursar na Assembleia da República, perante não apenas os deputados, mas as mais altas figuras do protocolo do Estado – Presidente da República, primeiro-ministro, o corpo diplomático, presidentes e conselheiros dos tribunais superiores, procuradora-geral da República, chefes militares, entre muitos outros – ganha uma importância central.
Desde 1990, foram 17 os chefes de Estado ou de Governo dignos desta honra. O último, já durante a actual legislatura, foi o Rei Filipe de Espanha, em 2016. Antes disso, tinham passado seis anos desde a última sessão deste género: em 2010, tendo como convidado Armando Guebuza, Presidente de Moçambique. E seis anos antes, em 2004, o seu antecessor, Joaquim Chissano também falou perante os deputados e altas individualidades portuguesas, pela segunda vez, aliás, pois já o tinha feito em 1999.
Além de Moçambique, os chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa falaram na Assembleia da República outras seis vezes: Lula da Silva (2003), Fernando Henrique Cardoso (2000 e 1995), Xanana Gusmão (1999), António Mascarenhas Monteiro (1991) e Fernando Collor de Melo (1990). Aos europeus, foi dada essa prerrogativa em 2001 aos presidentes de Itália (Carlo Ciampi, 2001), de França (Jacques Chirac, 1999), da Turquia (Süleyman Demirel, 1994), da Áustria (Thomas Klestil, 1993), da Polónia (Lech Walesa, 1993), do Egipto (Hosni Mubarak, 1992), da República Checa (Vaclav Havel, 1990). O Rei Juan Carlos, de Espanha (ano 2000) e o rei Hassan II, de Marrocos (1993) foram os dois monarcas a quem foi concedida a mesma distinção.