Ilustração
Ó!, cuidado com os diabos Entruidos à solta na galeria
São monstrinhos: pequenos, coloridos, feitos de papel e, por tudo isto, muito pouco assustadores. Mas não deixam de ser diabretes. Os Entruidos — inspirados nos caretos de Podence, que saem à rua no Entrudo para dar as boas-vindas à Primavera — saltaram do bestiário imaginado pela ilustradora Inês Costa e andam à solta numa exposição na Ó! Galeria do Porto, até 5 de Dezembro.
“Assim como os artesãos esculpem as máscaras dos caretos em madeira, eu também quis que esse lado mais artesanal estivesse presente”, explica a artista portuguesa, a viver em Berlim há seis anos. Para “fugir ao computador”, construiu os seis “demónios” em papel num mês que passou em Lisboa: “Senti-me uma turista à procura dos materiais e papéis. Percebi que Portugal será sempre a minha casa, mas a minha rotina de trabalho já está em Berlim”, comenta, entre risos, ao telefone com o P3 a partir da capital alemã.
Sem raízes no Nordeste Transmontano, região portuguesa onde a tradição dos caretos é mais visível, Inês Costa assume um “fascínio” pelos diabos de trajes peludos que ganham vida durante as celebrações carnavalescas (que nunca presenciou), “expulsando o Inverno e preparando as terras para boas colheitas futuras”. Já em 2014, Inês Costa tinha desenvolvido o Caretoz, um abecedário ilustrado com a mesma inspiração dos Entruidos que se transformou numa caça ao tesouro atrás das letras de madeira pelas galerias de arte de Berlim.
Junte-se a isto a curiosidade “pelo mundo do fantástico” e muitas ilustrações com a natureza como tema e o resultado são as bestas que nos olham (dentes de fora) na exposição: seis animais autóctones portugueses — lince-ibérico, galinha amarela, cabra-montês, lobo-ibérico, cegonha-preta e vaca minhota — trajados com as cores da bandeira portuguesa.
A estes, construídos por “sobreposições complexas com diferentes texturas”, juntam-se ilustrações de outros monstros que só revelam as silhuetas. Nada foi escolhido ao acaso, como explica o bestiário: “linhas horizontais simbolizam as terras cultivadas” enquanto as “verticais representam a época das chuvas”, “a folha verde a colheita”, “a caveira as doenças e as pragas”. Inês tentou, mas antes de os Entruídos trazerem a Primavera, ainda tem de passar o Inverno.