No Tribunal de São João Novo, no Porto, todos os juízes fizeram greve
Neste tribunal do Porto, há apenas uma juíza a garantir os serviços mínimos, encarregada de tratar de questões urgentes.
São cadeiras vazias que, não fosse a greve dos juízes, estariam ocupadas pelo colectivo de três magistrados, advogados, testemunhas e 23 arguidos. Nesta e nas restantes salas de audiências da principal instância criminal do Porto, o Tribunal de São João Novo, ninguém é ouvido nem julgado esta terça-feira. Nem Ferreira Torres, nem um alegado homicida. Os 15 juízes aderiram à paralisação, a primeira em 13 anos. E todas as diligências terão de ser remarcadas.
Tribunal parado significa o adiamento do início do julgamento do antigo autarca do Marco de Canaveses, Avelino Ferreira Torres, acusado de burla qualificada na forma tentada. Terá ainda que ser arranjada uma nova data para a leitura da sentença no caso de um suspeito de matar a ex-mulher por asfixia e para as sessões de produção de prova em mais três processos. É o caso daquele que envolve 23 arguidos, alguns presos preventivamente. Tudo isto ficou adiado e só amanhã os serviços vão começar a encaixar as novas datas nas agendas de magistrados e advogados.
Nas instalações deste antigo convento está apenas uma juíza a garantir os serviços mínimos. É Manuela Trocado, juíza coordenadora, também ela grevista, que se encarrega de questões urgentes. Pode acontecer, por exemplo, ter que decidir a libertação de presos preventivos.
Quando esse trabalho não chega e a manhã é calma, Manuela Trocado mostra como este tribunal é também espelho de uma das causas da paralisação dos juízes. Diz, apontando para o tecto falso, manchado a negro por infiltrações de água: “Cai sempre esta zona. Depois tapam e volta a cair uns tempos depois. E todo o tribunal é assim”. É uma forma da juíza mostrar que não estão só em causa reivindicações relacionadas com salários e carreiras. As obras “estão previstas há tantos anos” que a juíza que ali trabalha desde 2004 diz já ter pedido a conta.
Esta manhã os corredores estão quase sempre vazios. Já na expectativa da greve vários advogados, arguidos e testemunhas nem vieram ao tribunal. Outros apareceram, indo embora de seguida. O advogado Carlos Duarte demora-se pouco. Compreendendo o direito à greve dos juízes, lamenta “a falha na comunicação” dos seus motivos. “Era necessário que a sociedade portuguesa percebesse, sendo esta uma classe tão importante, que não é apenas uma questão remuneratória”, afirma. Vai-se embora pouco depois de ter chegado, agora mais “preocupado” com a agenda.
À porta do tribunal, duas advogadas de defesa (uma delas vinda de Lisboa) denotam o mesmo sintoma, enquanto ensaiavam o ingrato exercício de encontrar uma data compatível para o julgamento que ficou pendurado. Saíram sem certezas, à excepção de uma: não vai ser fácil.
Adesão “elevadíssima” na comarca
No Tribunal de Instrução Criminal do Porto, a greve é mais silenciosa. Quatro dos cinco juízes de instrução criminal aderiram e as suas diligências terão que ser remarcadas. Mas essa falta é camuflada pelo decorrer do trabalho normal dos magistrados do Ministério Público, que alimenta o corrupio habitual do tribunal do centro do Porto.
Nos restantes tribunais da comarca a adesão “é elevadíssima”, em alguns a rondar os 100%. O balanço feito a meio da manhã pelo presidente da Comarca do Porto, José António Cunha, será actualizado durante o dia.
Este é o primeiro de 21 dias intercalados de greve em que os juízes portugueses protestam contra o estatuto profissional, em discussão na Assembleia da República, que alegam não assegurar questões remuneratórias, o aprofundamento da independência judicial e os bloqueios na carreira. Apesar da Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, ter tentado chegar a um acordo na segunda-feira, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses mantém o calendário com mais duas dezenas de paralisações parciais até Outubro do próximo ano. Com Lusa