Fiscalização de partidos e políticos vai passar por Joana Marques Vidal
Caso da incompatibilidade do ministro Siza Vieira não vai ficar nas mãos da ex-procuradora-Geral da República, que inicia funções esta terça-feira no gabinete do Ministério Público do Tribunal Constitucional. Parecer foi emitido antes da remodelação governamental.
Depois de ter cumprido um mandato de seis anos à frente da Procuradoria-Geral da República, onde se destacou pelo combate à corrupção, Joana Marques Vidal inicia esta terça-feira, dia 20, funções no gabinete do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional (TC). É por ali que passam todos os processos de fiscalização dos financiamentos políticos – das contas anuais dos partidos às contas das campanhas eleitorais -, bem como das declarações de património e rendimentos dos políticos e altos cargos públicos e dos processos de incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos. Além, naturalmente, dos processos de fiscalização da constitucionalidade.
A partir de agora, a antiga responsável pelo Ministério Público vai actuar numa área que considera central em democracia: “A luta contra a corrupção é uma luta pela transparência. Transparência no exercício dos cargos públicos e contra o financiamento dos partidos políticos”, afirmou na entrevista que deu ao Expresso e à SIC logo após ter cessado aquelas funções. Isto depois de ter afirmado ter ficado surpreendida com a dimensão do fenómeno da corrupção em Portugal e ter considerado que "não há uma estratégia nacional contra a corrupção".
Pelo novo gabinete de Joana Marques Vidal passam processos sensíveis como o da incompatibilidade do ministro Siza Vieira, que acumulou essas funções públicas com a gerência de uma empresa imobiliária criada por si e pela sua mulher na véspera da tomada de posse no Governo. Uma situação flagrante de incompatibilidade, cuja sanção prevista na lei é a perda de mandato.
No entanto, este processo não deverá ficar nas mãos da antiga procuradora-geral, uma vez que o parecer do Ministério Público já foi emitido a 3 de Outubro, 12 dias antes da remodelação governamental em que Siza Vieira deixou de ser ministro-adjunto do primeiro-ministro para ficar com a pasta da Economia. Na prática, essa mudança pode mesmo levar a que uma eventual sanção de demissão do cargo já não se aplique, pois o cargo que desempenha actualmente já não é o mesmo da data dos factos.
Ao Ministério Público (MP) compete a fiscalização das declarações de rendimentos, património e cargos sociais dos políticos e equiparados. Em caso de incumprimento ou de prestação de declaração falsa, é o MP que propõe a acção de perda de mandato, demissão ou inibição para o exercício de cargos, processos que acompanha até ao fim. Ora, de facto este processo ainda não terminou: o parecer do MP, que se encontra em segredo de justiça, já foi transmitido a Siza Vieira, que tem um prazo de 20 dias para responder, o que pode levar a uma reavaliação da sanção a propor. Só depois disso é que o Tribunal Constitucional se deverá pronunciar.
Outra competência do Ministério Público no TC é promover as sanções a aplicar aos partidos e movimentos políticos por incumprimento das normas dos financiamentos políticos. Mais uma área sensível que vive um momento particularmente delicado, devido à asfixia financeira da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Depois da alteração à lei de financiamento dos partidos, todas as decisões sobre as contas dos partidos e das campanhas eleitorais - da fiscalização às coimas - são agora sua responsabilidade. E com a cláusula de retroactividade da lei, isso acontece também com os 14 processos que estavam pendentes no TC, relativos a cinco anos (2009-2014). A rebentar pelas costuras, a direcção emitiu uma deliberação a dizer que, sem novos meios, esses processos vão ficar para trás. Apesar do “gravíssimo risco” de prescreverem.
Com a entrada de Joana Marques Vidal, nomeada por unanimidade pelo Conselho Superior do Ministério Público a 30 de Outubro, o gabinete do Ministério Público junto do TC passa a dispor de três procuradores-gerais Adjuntos, dois procuradores da República (assessores), além de uma outra jurista, não magistrada, também assessora.
Os outros dois procuradores-gerais adjuntos são José Manuel Morais dos Santos Pais, o actual coordenador do gabinete, e António Manuel da Rocha Ferreira Marques. Ambos estão em funções no TC desde Junho de 2009, tendo a sua comissão de serviço sido renovada, por três anos, em Abril passado. Santos Pais é simultaneamente membro do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, cargo para que foi eleito em 2016 para um mandato de quatro anos.