Portugueses são dos que mais fecham os olhos às falhas éticas no trabalho

Estudo europeu mostra que os trabalhadores nacionais são dos que colocam a fasquia mais alta, mas são os que mais calam perante situações duvidosas.

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Vítor Cid/Arquivo

Os portugueses têm melhor opinião sobre as empresas onde trabalham em matéria de ética, quando comparados com trabalhadores de outros sete países europeus, mas paradoxalmente são dos que mais se queixam de sentir pressão, são dos que mais admitem terem presenciado casos duvidosos e são os que menos actuam quando assistem a comportamentos censuráveis.

Em linhas gerais, estas são as conclusões do estudo A Ética no Trabalho, um levantamento europeu conduzido pelo Institute of Business Ethics (Reino Unido) e que pela primeira vez inclui as percepções dos trabalhadores portugueses. A vertente nacional do estudo foi assumida pela Universidade Católica, através da escola de negócios do Porto. Helena Gonçalves, responsável por esta colaboração, salienta em declarações ao PÚBLICO que 85% dos inquiridos afirmam que a honestidade é praticada sempre ou muito frequentemente dentro da organização em que trabalham, ficando acima da média europeia (78%) e apenas atrás da Irlanda (88%).

Porém, os resultados completos permitem perceber que estamos longe de um mar de rosas – e de que valeria a pena aprofundar o debate sobre o estado da ética no contexto laboral. "Achamos que nas empresas se pratica honestidade, mas vemos mais coisas, reportamos menos e sofremos mais pressões do que os restantes", sintetiza a mesma responsável pela parte portuguesa deste estudo, que foi apresentado no Porto nesta segunda-feira. Por outras palavras, os dados sugerem que "ainda se fala pouco sobre ética nas empresas".

Para complicar ainda mais a leitura, os resultados indicam que o nível de exigência ético dos inquiridos portugueses até foi, no cômputo geral, superior ao dos congéneres europeus. Isto porque, postos diante de nove cenários de situações de ética ou legalidade duvidosas, os portugueses rejeitaram com maior veemência do que os congéneres europeus a admissibilidade desses cenários hipotéticos.

Para Helena Gonçalves, pode estar em causa o facto de os portugueses "declararem que rejeitam determinadas coisas, mas na prática é isso que vêem acontecer".

Alguns exemplos desses nove cenários:

  1. É admissível fazer chamadas pessoais no trabalho? 67% dos portugueses disseram que não, contra 51% da média europeia;
  2. É admissível levar lápis ou canetas do trabalho? 83% dos portugueses disseram que não, contra 70% da média europeia;
  3. É admissível favorecer amigos ou familiares na contratação de trabalhadores ou adjudicação de contratos? 89% dos portugueses disseram que não, contra 78% da média europeia;
  4. É admissível fazer-se passar por doente para faltar um dia ao trabalho? 97% dos portugueses disseram que não, contra 90% da média 

É neste quadro de elevada exigência ética em que os portugueses se colocam que parece paradoxal o facto de 49% dos inquiridos que dizem ter presenciado actos susceptíveis de censura ética terem ficado calados. 

Sublinhando que os resultados do inquérito variam em função de diversos factores, incluindo a dimensão da empresa, Helena Gonçalves admite que uma hipótese explicativa é "o medo" de sofrer retaliações. Vejamos os dados portugueses, com base nas respostas recolhidas, a maioria das quais de trabalhadores do sector privado (72%):

  • Cerca de um terço dos inquiridos (35%) diz ter tido conhecimento de situações censuráveis envolvendo chefias, empregadores ou colegas, lê-se no relatório final. A média europeia foi de 30%. Segundo Helena Gonçalves, as situações mais reportadas pelos inquiridos caíam nas categorias do tratamento de forma inapropriada ou injusta; comportamento abusivo; e registo incorrecto de horas trabalhadas. Somente 14% dos portugueses admitem ter sabido de casos de bullying no trabalho, quase metade da média europeia (26%). Trabalhadores mais jovens (18-34) e do sector público/terceiro sector são aqueles que mostraram maior sensibilidade para estes casos.
  • Dos 35% que assistiram ou souberam de algum caso censurável, 49% ficaram calados. Ainda que o reverso da medalha signifique que a maioria não ficou calada ou tomou alguma iniciativa, Helena Gonçalves considera este dado "preocupante" até porque as justificações dadas por quem assim respondeu mostram "um desligamento da pessoa em relação à empresa". As razões mais invocadas para fazer nada foram: não acreditar que haveria medidas correctivas; sentir que era algo que não lhe dizia respeito; sentir que punha o emprego em risco. Face aos parceiros europeus, Portugal tem nesta matéria a pior posição: 49% não fecharam os olhos, contra 67% dos trabalhadores no Reino Unido que agiram, 58% na Suíça, 57% na Alemanha, 55% na Irlanda, 53% em Espanha, 52% em França, 50% em Itália. Nota-se que países latinos ficam no fim da tabela, algo que Helena Gonçalves comenta dizendo que nestes países "os trabalhadores sabem o que é certo e errado, mas talvez sejam mais condescendentes". Sobre o resultado português, nota-se que a soma dos que fizeram algo com os que abdicaram de actuar dá uma percentagem de 98% (49% mais 49%). Os restantes 2% não responderam.
  • Quase um quarto dos inquiridos portugueses (22%) diz ter sofrido alguma forma de pressão para "contornar as regras" (média europeia: 16%). O tipo de pressão mais invocada para contornar as regras são o cumprimento de um prazo, a falta de recursos e uma ordem directa de um chefe.

Para este trabalho, foram inquiridos 775 pessoas em Portugal (cerca de 28% são gestores), numa amostra representativa da população activa portuguesa e estratificada por regiões, idade e género. O número de respostas recolhidas em Portugal é ligeiramente superior à média (750 inquéritos).

Além de Portugal, o estudo de percepções – que se realiza de três em três anos desde 2005 – envolveu trabalhadores da Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Espanha, Irlanda e Suíça. Fora da Europa, o mesmo questionário é aplicado na Austrália, Canadá, Singapura e Nova Zelândia, embora nas comparações se privilegie os parceiros europeus de Portugal.

Helena Gonçalves destaca que com a introdução deste estudo em Portugal se pretende agora permitir às empresas fazer estudos semelhantes por si mesmas, de modo a elas próprias aferirem como se situam em matéria de ética em contexto laboral.

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