O PEV a concorrer sozinho a eleições? “Não descartamos nenhuma hipótese”
Os ecologistas reúnem-se neste fim-de-semana, em Lisboa, em convenção nacional para preparar o seu compromisso de acção para os próximos anos – incluindo o eleitoral. E os desafios são muitos, admite Heloísa Apolónia, deputada pelo partido desde 1991.
Em cima da mesa estarão a sustentabilidade ambiental, o ordenamento e coesão do território, os serviços públicos e uma sociedade de base ecologista para todos, como enumera a moção ecopolítica que vai ser discutida e aprovada. Em entrevista, Heloísa Apolónia descarta receios do Partido Ecologista Os Verdes de ir a eleições sozinho, afasta-se da visão animalista do PAN e não rejeita caminhar pelos corredores do Governo.
O que pode a convenção trazer para a acção do PEV neste último ano de legislatura?
Há um conjunto de desafios que estão colocados a nível global como as alterações climáticas, a proliferação do plástico, a conservação da natureza, os transportes que devem responder às necessidades diárias dos cidadãos, ajudar à coesão do território e mitigar as assimetrias regionais. Temos muito caminho a fazer na eficiência energética e nos transportes. Precisamos de nos libertar de uma forma mais célere dos combustíveis fósseis e criar verdadeiras alternativas de mobilidade colectiva para que as pessoas possam deixar o transporte individual nos seus movimentos pendulares. Na área dos plásticos, fruto da sociedade hiperconsumista, as respostas para nos livrarmos progressivamente deles têm que vir da produção, da oferta do mercado e da responsabilidade do consumidor; não basta taxar.
Temos a nossa moção ecologista, que pretende ser um compromisso para o futuro. A dimensão ecologista e a proposta para uma sociedade ecologista tem que tocar todas as vertentes. Educação, saúde, justiça são factores relevantes e tem havido um desinvestimento continuado nestes serviços públicos – foi mesmo brutal com o anterior Governo quer pelo investimento que desceu quer pela lógica de privatização. Temos procurado que cresça o investimento e os transportes.
Como se traduz no concreto essa aposta na ecologia, por exemplo?
As matérias da biodiversidade e da conservação da natureza costumam confinar-se às áreas protegidas e os Verdes alargam essa visão à importância de todos os espaços e de todo o ambiente, mesmo no modificado pelo Homem. Juntamos o natural e o naturalizado, porque todos esses espaços podem ajudar a atacar o problema da perda, a ritmo galopante, da biodiversidade. Os espaços urbanos podem dar um contributo alargando as zonas verdes, seja de jardins, de coberturas ou telhados verdes. Precisamos de espaços verdes contínuos para valorizar a biodiversidade em espaço urbano, e para isso a criatividade arquitectónica e o ordenamento do território nos espaços urbanos têm um papel fundamental.
A moção apresenta também soluções que vão procurar incluir já neste Orçamento?
Na área dos transportes, por exemplo, é preciso preços aliciantes ou pelo menos não impeditivos, mas também uma boa oferta de transportes e de qualidade. Por exemplo, na ferrovia é preciso continuar o investimento na linha do Alentejo, como a electrificação do troço entre Casa Branca e Beja; na linha do Leste, reabilitada por proposta do PEV, falta a ligação para passageiros à zona industrial de Portalegre. E na manutenção, propomos um reforço dos trabalhadores da EMEF.
Depois temos toda a filosofia para a mobilidade suave, com as propostas de incentivo ao uso da bicicleta – com a introdução no programa de mobilidade eléctrica, a redução do IVA na compra, a dedução no IRS das reparações, o alargamento do seguro escolar para os alunos que usam bicicleta na deslocação casa-escola.
Como tem acompanhado a questão da descentralização nos temas de ambiente e ecologia? Foram ouvidos pelo Governo?
O PS escolheu o PSD como parceiro para promover a questão da descentralização. Nós não concordamos com os termos em que está colocada e falta o patamar fundamental da regionalização. Há responsabilidades em áreas estruturantes, como o ambiente, que não devem ser transferidas para as autarquias. Há um propósito nacional de conservação da natureza e da biodiversidade e de preservação de valores naturais que não devem ser exercidos em função das lógicas locais mas sim em função da estratégia nacional para a conservação da natureza e da biodiversidade.
Este é o Orçamento possível neste momento?
No OE há toda uma resposta que se prende com a reposição de rendimentos nos salários, pensões, no reforço dos apoios sociais, uma lógica de continuidade de algumas conquistas de direitos que foram delapidados na legislatura anterior, que os Verdes também negociaram ainda antes da apresentação do OE e que eram pressuposto fundamental que constassem no OE. É certo e sabido que o PS sozinho, com uma maioria absoluta, não tinha chegado aonde chegámos e teria recuado nalgumas medidas de forma perfeitamente clara.
Isso é já um aviso para daqui a um ano?
Não é um aviso, é uma constatação. Assinámos um acordo na posição conjunta sobre o fim da sobretaxa de IRS e depois o PS insistia em prolongá-la para além da data estipulada; na TSU procurou violar o acordo estipulado. São sinais muito claros de que o PS sozinho não teria pensado duas vezes. Uso muito a imagem, porque sinto isso nas negociações com o PS, de que é preciso puxar, puxar, puxar.
Por António Costa ou Mário Centeno?
Quando falamos com um ministro, seja qual for, ou com o primeiro-ministro, é sempre o Governo.
Há partidos a dizerem que gostavam de ir para o Governo. O PEV também?
(Risos) Nós não nos pomos a dizer que o nosso objectivo é chegar ao Governo. Para chegar aí é fundamental questionar que programa de Governo conseguiríamos traçar de modo a podermos afirmar que juntos conseguiríamos prosseguir estes objectivos. Nunca poderemos dizer que é coisa que os Verdes nunca na vida quereriam, como é evidente, porque qualquer partido político tem a perspectiva de ter influência na política governativa do país.
Ter influência é diferente de gerir o país.
Sim, ter influência pode ser dentro ou fora do Governo. Mas não é a qualquer custo ou preço.
Os Verdes sempre concorreram em coligação com o PCP. O PAN, um partido novo, elegeu um deputado para surpresa de muitos. Está no horizonte do PEV discutir uma ida a eleições sozinho?
Essa questão nunca está fora de hipótese, porque em cada acto eleitoral a direcção nacional dos Verdes analisa qual é a forma em que vai concorrer. Dentro de um ano faremos essa reflexão em função das circunstâncias que estiveram criadas. Não descartamos nenhuma hipótese.
Porque é que nunca arriscaram esse passo?
A análise e o balanço que temos feito da Coligação Democrática Unitária (com o PCP) são muito positivos no sentido em que juntamos e agregamos forças numa lógica transformadora de mudança de dois partidos que têm ideologias e posicionamentos diferentes, mas convergem em questões fundamentais.
É medo do resultado?
Da experiência que tenho tido nas campanhas eleitorais é que a CDU faz com que 1 + 1 não sejam apenas 2, mas sejam 2,5, ou 2,4 ou 2,6. Ou seja, há muita gente que vem à CDU que não é do PCP nem dos Verdes mas aqui encontra uma convergência à esquerda numa lógica de transformação, de mudança, de acção, de proactividade e intervenção onde se reconhece.
Com a projecção do PAN, daqui a um ano ainda relega o PEV para a bancada mais pequena…
Mas o PAN é um partido com características muito específicas da lógica animalista. E os Verdes têm uma concepção diferente, mais ecologista. O grosso das propostas do PAN são nessa lógica animalista, vieram repescar muitas das propostas que os Verdes já tinham apresentado antes ou apresentaram nesta legislatura com uma componente mais ecologista ou ambientalista, em que matérias como a educação, saúde, cultura são determinantes para promover uma sociedade sustentável. No caso da entrada dos animais em estabelecimentos, o PAN apresentou primeiro mas foi a proposta do PEV que foi aprovada, porque tinha especificidades como a sinalização à porta, o porte dos animais, a trela.
Nesta legislatura, o PEV é indissociável do combate aos furos de petróleo e Almaraz, mas sem a resposta que esperava...
Pois não, mas a pressão dos cidadãos é determinante para a resposta que venha a ter. Em muitas lutas conseguem-se resultados mais imediatos, noutras não tão imediatos mas mais de médio e longo prazo. O que é fundamental para quem tem uma perspectiva ecologista é não desistir, agarrar as causas.