Falta ainda a May o “combate da sua vida” em Westminster
Theresa May gostaria de ver incluídas no acordo de saída as bases fundamentais de um tratado que definirá as relações futuras entre o Reino Unido e a União Europeia.
1. Com a ansiedade a crescer do lado de lá da Mancha nos últimos dias, empurrando (ligeiramente) a porta para um novo referendo (sobre a saída ou sobre os seus termos), a notícia desta tarde de terça-feira quase surgiu como um anticlímax. Ainda falta um longo caminho de obstáculos até à concretização da saída do Reino Unido da União Europeia, marcada para as 23h00 do dia 29 de Março de 2019. Mas, em Bruxelas, os negociadores de ambas as partes chegaram finalmente a um acordo (chamado técnico e, a esta hora, não confirmado pela Comissão), incluindo a forma de resolver o problema mais difícil: a fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte.
Em Londres, os sinais vindos do n.º 10 de Downing Street apontavam todos na mesma direcção. May convocou para esta quarta-feira um conselho de ministros para a aprovação política, provavelmente ainda com alguma discussão. Falta saber a opinião decisiva, quer do Governo de Dublin, quer dos unionistas de Belfast, que são hoje o suporte do Governo em Westminster, e falta ouvir as explicações do negociador europeu Michel Barnier.
De qualquer modo, nunca se tinha ido tão longe, sendo este acordo preliminar também um sinal político de que a Europa, citando a chanceler Angela Merkel esta terça-feira no Parlamento Europeu, quer manter a cooperação com o Reino Unido ao nível mais elevado possível.
2. Porquê agora? May sabia que, se passasse mais esta semana sem acordo, corria o risco de perder o controlo do calendário político do Brexit. Estava previsto para daqui a alguns dias um Conselho Europeu extraordinário para aprovar um eventual acordo e, se esta meta falhasse, o calendário arrastar-se-ia para meados de Dezembro, adiando para depois do Natal o voto nos Comuns.
A primeira-ministra sabe que terá de travar no Parlamento o “combate político da sua vida”, como refere alguma imprensa britânica. Qualquer atraso significaria também um maior risco de ter de atirar a toalha ao chão, com a queda do seu Governo e novas eleições. Jogou agora no tudo ou nada, tentando travar, quer a onda em direcção a um referendo, quer a disposição inflexível dos sectores radicais do seu partido de causar o máximo de estragos possível nas negociações.
Inicialmente, alguns analistas admitiam que a sua jogada do tudo ou nada seria mais tarde, quando a iminência de um não-acordo fosse mais palpável, colocando o Reino Unido à beira do abismo. A antecipação dever-se-á provavelmente ao pânico instalado entre os empresários e à onda crescente para reverter o resultado do referendo de 2016.
3. Nos Comuns, May terá de vencer as resistências do Labour com as suas linhas vermelhas, de cujos votos precisa para compensar aqueles que perderá inevitavelmente no seu próprio partido, onde se acantonam os mais radicais defensores de um Brexit que cortasse todas as pontes com o continente (um não-acordo seria, para alguns, o ideal), e que acusam a sua última proposta, dita de Chequers, de “vassalagem” e de “rendição” à Europa. Mas este é um primeiro passo na direcção que a líder britânica pretendia e muitos governos europeus também.
Numa maioria de capitais europeias a perspectiva de um não-acordo é igualmente assustadora, em termos económicos imediatos mas também políticos. É esse o sentimento em Berlim, em Lisboa, Haia ou Madrid. Paris fez o papel de “polícia mau” por gosto e por necessidade. Barnier manteve em linha os outros 27. Em Bruxelas, na tarde desta terça-feira, havia a ideia de que os governos europeus foram apanhados totalmente desprevenidos. Não deixa por isso de ser, por enquanto, uma boa surpresa.
4. Finalmente, para os defensores do Remain, este acordo pode tornar-se um obstáculo difícil de vencer para a realização de um segundo referendo que revertesse o processo de saída, que muitos deles defendiam, incluindo nos últimos dias Tony Blair e Gordon Brown. Mesmo assim, ainda não está afastada a ideia de um segundo referendo para ratificar o acordo que for votado nos Comuns. Tudo depende do que acontece até lá.
Depois da saída, falta ainda uma parte essencial do caminho, talvez a mais importante: negociar o Tratado que definirá as relações futuras entre o Reino Unido e a União Europeia. May gostaria de ver incluídas no acordo de saída as bases fundamentais de um tal tratado. Será difícil. De qualquer forma, se hoje o cenário de uma catástrofe que seria uma saída sem acordo parece mais afastado, também a perda de um dos pilares fundamentais em que assenta hoje a integração europeia começa a tomar forma. O que não é nem nunca será uma boa notícia.