Médicos não se fixam no interior por não quererem ficar longe da família
Mais do que incentivos financeiros, “o que os médicos querem é realizar-se profissionalmente e ter condições para ter consigo a família e criar os filhos”, diz presidente da Ordem dos Médicos do Norte, António Araújo.
As principais razões que os médicos invocam para não se fixarem no interior do país são o afastamento da família que essa opção implica e as expectativas de não-diferenciação profissional e de não-progressão na carreira, indica um estudo que esta segunda-feira foi divulgado no Porto.
Outro motivo que justifica o pouco interesse dos jovens médicos em ficar a viver longe dos grandes centros urbanos é “a falta de diversidade cultural e de lazer”, revela o estudo encomendado pela Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (SRNOM) ao Instituto Politécnico de Bragança (IPB). O trabalho de investigação foi realizado a partir de uma amostra constituída por 1180 médicos inscritos na OM do Norte e que é maioritariamente feminina (62,3%).
“O estudo veio confirmar duas ou três coisas que já pressupúnhamos: os condicionalismos que os jovens médicos sentem para escolher o interior não têm directamente a ver com dinheiro”, explica o presidente da SRNOM, que lamenta que os incentivos que existem em Portugal para levar os profissionais a trabalhar no interior sejam "apenas financeiros e temporários, cerca de mais mil euros por mês durante três anos”. "Não são só as questões monetárias que levam um médico a mudar-se de trouxas e bagagens. O que os médicos querem é realizar-se profissionalmente e ter condições para ter consigo a família e criar os filhos", sintetiza António Araújo.
Incentivos desde 2015
Portugal tem em vigor, desde 2015, incentivos financeiros que foram recentemente revistos com o objectivo de levar mais médicos para zonas carenciadas. Foi o impacto reduzido dos primeiros incentivos que levou a uma posterior revisão das regras e actualmente os médicos podem receber cerca de 36 mil euros brutos por um contrato de três anos, dias adicionais de férias, 15 dias por ano para formação e têm ainda um regime preferencial de colocação dos cônjuges.
Mas estes incentivos à mobilidade médica têm-se revelado “pouco eficazes”, frisam os autores da investigação, que lembram que este problema põe em causa a equidade no acesso a cuidados de saúde de qualidade em todo o território nacional e é cada vez mais premente devido ao envelhecimento dos profissionais. Até 2020, recordam, prevê-se, que se aposentem 1077 médicos dos cuidados de saúde primários e 1655 médicos dos hospitais.
Dos 925 residentes no Litoral Norte inquiridos neste estudo, pouco mais de quinto trabalhava num local distinto da sua residência. Quem residia e trabalhava no mesmo local tinha "duas vezes mais probabilidade de querer ficar" e, entre os que não residiam no local onde trabalhavam, a probabilidade de ficar se o nível de diferenciação ou centro de saúde fosse elevado era quatro vezes superior, destacam.
"Por oposição, os médicos do Norte optam mais por fixar-se no litoral se for o local de formação/exercício da especialidade pretendida, pelo grau de diferenciação da instituição, pelas boas referências e nível organizacional do serviço”, acrescentam.
Este é um fenómeno multifactorial. Desde logo, surge destacado o problema do afastamento da família, com os problemas da colocação profissional do cônjuge e da necessidade de encontrar escolas para os filhos à cabeça, especifica António Araújo. Depois, é invocada a questão do desenvolvimento profissional "que os hospitais do interior do país, uma vez que são mais generalistas, não oferecem, quando comparados com os dos grandes centros urbanos". Em terceiro lugar, elenca, surge a falta de perspectivas de carreira profissional.
Quais seriam, então, "as expectativas que podem levar os profissionais a mudar as suas opções"? No topo da lista das motivações profissionais consideradas relevantes para a escolha do trabalho surge a formação e o exercício da especialidade pretendida (referida por perto de quatro quintos do total), ter boas referências do serviço (69%) e acesso à formação no local pretendido (65%). O nível de diferenciação da instituição e o nível organizacional do serviço também são referidos com muita frequência.
No estudo traça-se também o "perfil de profissional que tende a sair do local de trabalho" - é do "género feminino, solteiro, jovem, interno de formação específica" - em contraponto ao perfil do que "tende a ficar no local de trabalho" - e que é "do género masculino, casado, assistente graduado sénior, com doutoramento", natural e a trabalhar no Litoral.
No ano passado, a OCDE já chamava a atenção para este problema no relatório Health at a Glance 2017 e incluía Portugal no grupo de países onde é maior a disparidade entre os médicos a trabalhar em zonas urbanas (5,4 por mil habitantes) e zonas rurais (3,2 por mil habitantes). Entre as possíveis justificações então avançadas pela OCDE para esta disparidade estavam já as preocupações dos médicos com limitações na evolução da carreira, a falta de profissionais com quem construir uma equipa, a menor oferta educacional para os filhos e as oportunidades de trabalho para o cônjuge.
Além dos incentivos, a OCDE sugeria então medidas como a descentralização das escolas médicas, a regulação do local onde os jovens médicos vão exercer e a reorganização dos serviços para melhorar as condições de trabalho de forma a conseguir reverter este cenário.