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Pedro Mafama: se o Instagram fosse música e o fado fosse novo
Esta galeria é uma parceria com o portal Videoclipe.pt, sendo a seleção e os textos dos responsáveis do projeto.
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De entre os vários vídeos que as pessoas adicionaram na última semana em VIDEOCLIPE.PT, havia nomes maiores, como GNR, Pedro Abrunhosa, Luísa Sobral, Flak, etc. No entanto, se o propósito aqui é fazer uma curadoria desta vertente artística da música — pela qual esta se faz presente na nossa era digital —, somos levados a escolher algo que julgamos ser de capital importância para a música portuguesa deste novo século.
Pedro Mafama deve ser um nome completamente desconhecido para a maioria dos portugueses, já que a sua música apenas existe no YouTube. No final de 2017, lançou o EP Má Fama e agora este videoclipe Jazigo para dar visibilidade ao EP Tanto Sal, lançado em maio deste ano. Mas é mais um daqueles nomes com potencial para arrebentar na senda de fenómenos como Slow J ou Conan Osiris (fora o já conhecido Carlão). Músicos que estão a explorar um sincretismo bem nosso, juntado às novas sonoridades africanas (afro house, kuduro, kizomba, tarraxinha) e a outras batidas globais (hip hop, r&b trap, drill), as vocalizações entranhadas num sentir luso e na sensualidade morna da nossa língua. E se não com aproximações à afetação fadista, pelo menos com um arrasto pesaroso e contido que também não é rap nem soul.
Se são já vários os sinais que indicam estar aqui a despontar o fenómeno mais original da música portuguesa do início do século, só o futuro o garantirá, mas com este Jazigo talvez outra dimensão ganhe asas para ajudar a marcar esta como música nossa deste tempo nosso.
Curiosamente, o fado foi gerando a sua renovação com novas vozes e um baixo aqui, um piano acolá, umas cordas além (e algum xarope indistinto por aí) e não deixou de visualmente se iluminar à atualidade com a renovação requintada do anterior vestuário lutuoso. Porém, estes são tempos digitais: o disco morreu e o single é uma abstração plasmada num videoclipe. E este quase só se centra na figura do(a) artista. Ou na performance musical com ênfase no pranto fadista, ou a deambular descontraidamente pela cidade. Praticamente, não há fugas a esse convencionalismo, como no hip hop mundial, Kendrick Lamar, Childish Gambino, entre outros, operam mudanças ao padrão do rapper a cuspir palavras, explorando nos vídeos “o sentido das palavras através de metáforas visuais, carregadas de simbolismos e surrealismos, com pendor narrativo e cinematográfico". Ou como o fenómeno espanhol Rosalía o opera no seu pop flamenco. Como é que por cá o fado se empresta visualmente aos novos tempos? Haverá por aí alguém com fortes propostas metafóricas da saudade em vídeo? Ou, neste caso, a perda de alguém querido como uma constante queda lenta num mar de lágrimas?
Emprestar-se visualmente aos novos tempos não é estar presente nas redes sociais, ou fazer vídeos apenas bonito. É afirmar outra iconografia, inspirada nas práticas populares e no vestir diário. É, apenas um exemplo, assumir a imagética do Instagram como valor de identificação. Mas, sobretudo, saber transformar todas essas metáforas, conceitos e quadros visuais em movimentos de câmara e numa montagem capaz de se ajustar a esta música, fornecendo-lhe sensualidade e cativação. Infelizmente não fizeram chegar à nossa plataforma a autoria disto, daí que os aplausos vão para o nome que é apresentado no final do vídeo: Follow Creative Studio.
Texto escrito segundo o novo Acordo Ortográfico, a pedido do autor.