Morreu Stan Lee (1922-2018), o humano que criou a teia de super-heróis da Marvel
Ao longo dos seus 95 anos de vida, Lee foi a mão e mente criadora de alguns dos nomes mais memoráveis das bandas desenhadas da Marvel, como o Homem-Aranha, os X-Men ou Hulk.
O criador de super-heróis dos quadradinhos da Marvel, Stan Lee, morreu nesta segunda-feira aos 95 anos. Lee dava um toque humano aos seus super-heróis e embebia-os das causas em que acreditava, como a luta pelos direitos humanos e a tolerância — foi um dos nomes mais influentes na empresa Marvel Comics, que acabaria por se tornar uma gigante do mercado de entretenimento, permeando das bandas desenhadas para o cinema, para a animação e para as séries.
Pelas mãos de Lee (e com a ajuda dos artistas Jack Kirby e Steve Ditko, que morreu em Julho), a Marvel foi catapultada para o sucesso e deu vida ao Homem-Aranha, ao Incrível Hulk e aos X-Men, heróis que perduraram em gerações de leitores. Mas a lista não fica por aí: a eles juntam-se o Demolidor, o Homem de Ferro, Thor, Pantera Negra, Doutor Estranho, Os Vingadores ou o Quarteto Fantástico.
Stan Lee tentava deixar de lado a ideia de que os super-heróis são seres imaculados e dava-lhes um lado humano – tanto na complexidade entrançada das emoções quanto na propensão a errar. Lee primava por criar “personagens de carne e osso, com personalidade”, como dizia ao jornal The Washington Post, corria o ano de 1992. “É isso que qualquer história deve ter, mas as bandas desenhadas não o tinham. Eram bonecos de cartão.”
Ainda assim, os super-heróis não eram novidade no quotidiano americano, em grande parte por causa do Super-Homem, lançado em 1938 pela arqui-rival da Marvel, a DC Comics (antes conhecida como Detective Comics) — que escreveu no Twitter que Lee "mudou a forma como olhamos para os super-heróis".
De nome completo Stanley Martin Lieber, o escritor nasceu no estado norte-americano de Nova Iorque, a 28 de Dezembro de 1922. Stan Lee era o mais velho de dois irmãos, filhos de Jack Lieber e Celia Solomon — ambos imigrantes vindos da Roménia. Na década de 1970, o norte-americano alterou legalmente o seu nome e o “Leiber” passou ao memorável “Lee”.
Homem de múltiplos ofícios (escritor, editor, actor, publicitário, produtor), foi casado com a modelo Joan Lee durante quase 70 anos: desde 1947 até à sua morte, em Julho de 2017. O criador norte-americano viria a morrer nesta segunda-feira no hospital de Cedars-Sinai (para onde foi transportado de ambulância), em Los Angeles. Não são ainda conhecidas as causas da morte.
A notícia do óbito foi avançada pela filha do escritor norte-americano, citada pelo TMZ, site especializado em celebridades. “Ele sentia uma obrigação de continuar a criar para os seus fãs”, afirmou a filha, J.C. Lee, à agência Reuters. “Ele amava a sua vida, e amava o que fazia na sua vida. A sua família e fãs também o amavam. Era insubstituível.”
A criação (e expansão) do seu universo
A morte de Stan Lee foi também lamentada por dezenas de figuras que com ele trabalharam: “Devo-lhe tudo”, comentou o actor Robert Downey Jr., que interpretou o Homem de Ferro; “Perdemos um génio criativo”, escreveu por sua vez o actor Hugh Jackman, que deu vida à personagem Wolverine. Também a actriz Scarlett Johansson, o actor Chris Evans, Ryan Reynolds, ou o astrofísico Neil deGrasse Tyson (que refere que Lee criou “um universo em expansão por si mesmo”) partilharam mensagens de luto.
“Costumava pensar que o que eu fazia não era importante”, dizia em 2014 ao jornal Chicago Tribune o autor que chegou a trabalhar na comunicação do Exército norte-americano durante a II Guerra Mundial. “Há quem crie pontes e inove na investigação médica, e eu estava ali a escrever histórias sobre pessoas fictícias que faziam coisas extraordinárias e alucinantes, e vestiam fatos de super-heróis. Mas acho que acabei por perceber que o entretenimento é uma das coisas mais importantes na vida das pessoas”, contava.
Quando os mutantes de Lee foram transportados para o cinema, com dezenas de filmes em que eram eles os protagonistas, o sucesso foi claro – ao todo, foram arrecadados mais de 20 mil milhões de dólares (cerca de 18 mil milhões de euros). Mas muito desse lucro inesperado não foi parar às mãos de Lee, o que levou o criador a lançar-se num sem-fim de batalhas judiciais relacionadas com direitos de autor.
Ainda que a relação de Lee com a Marvel se tenha deteriorado após a adaptação de inúmeros super-heróis aos ecrãs de Hollywood, Stan Lee – que se dirigia aos fãs utilizando o mote “Excelsior!” – tinha por hábito fazer cameos (curtas aparições) nos filmes e nas séries da Marvel.
Humanizar o super-herói
Se Stan Lee foi “uma personalidade importantíssima” da BD, deve-o sobretudo ao modo como “soube captar o espírito da época, criando um tipo de super-herói com um lado mais humano, que ia muito ao encontro do público mais jovem” nos anos 60, defende o crítico de arte João Miguel Lameiras. “Ele trata muito bem o modo como os superpoderes mudam as personagens, e aborda, por exemplo, questões como o racismo”, acrescenta o crítico. “Era um autor que estava muito dentro do seu tempo”.
Sem pôr em causa o contributo do autor para a criação de alguns dos principais heróis da Marvel, João Miguel Lameiras lembra que Stan Lee “vendia muito bem a sua própria imagem: trabalhava com grandes desenhadores, como Jack Kirby, e outros, mas era o seu nome que sobressaía”.
Um “caso emblemático” do insuficiente reconhecimento atribuído a Kirby é o da personagem do Surfista Prateado, ilustra o crítico, que o desenhador inventou como possível figura secundária ao desenhar uma série de páginas para outra figura que Lee inventara, Galactus. E um dos trabalhos de Stan Lee que Lameiras considera mais importante é uma colaboração com Moebius, no final dos anos 80, que tem justamente como protagonista o Surfista Prateado.
O crítico de BD Pedro Moura está, no essencial, de acordo com Lameiras. “Apesar de ser uma figura que gostava muito de reinventar o seu próprio papel, é inegável o contributo que deu, nos anos 60, para a reinvenção da figura do super-herói, e da própria Marvel”, diz. “Com Jack Kirby, Steve Ditko e outros, humanizou o super-herói e trouxe o quotidiano e a vida de todos os dias para dentro das grandes epopeias desse tipo de personagens”. com Luís Miguel Queirós
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