António e a fama do Brasão, que corre todo o país

Restaurante de Felgueiras já recebeu presidentes da República, chefs com estrela Michelin e empresários de topo.

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Adriano Miranda
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Mário Soares queria um vinho especial, Jorge Sampaio pediu papas de sarrabulho e foi de Soares dos Santos que recolheu o melhor dos ensinamentos. Sem qualquer tipo de formação ou aprendizagem na área da cozinha, António Carvalho formou-se pela vida fora e até começou a carreira ao contrário. Pelo menos ao contrário daquilo que é habitual, já que foi primeiro dono e gerente de restaurantes e só depois é que acabou por se dedicar aos fogões.

A melhor apresentação para o que é capaz de fazer é dizer que são cozinheiros de renome — daqueles com toda a formação e que gravitam na órbita das estrelas Michelin — alguns dos mais fiéis e reconhecidos apreciadores dos seus cozinhados. Hoje são, claro, todos amigos e até fazem questão que os acompanhe pelo país fora em muitos encontros e demonstrações culinárias.

“Aprendo com as dicas que me dão, mas acho que eles também aprendem alguma coisa comigo”, graceja. “O único que nunca explicou nada foi o Koschina”, brinca, quando revela que também o famoso chef do estrelado restaurante Vila Joya era seu cliente habitual.

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Não que Dieter Koschina se deslocasse de Albufeira até Felgueiras para comer bacalhau, rojões ou cabrito assado, mas antes porque também no Algarve António Carvalho teve restaurantes. Foi na década de 1990, numa altura em que chegou a ter “cinco restaurantes”. Ia de férias e via o serviço pouco próximo e pouco comunicativo, e o potencial com a clientela estrangeira que lhe aguçava os apetites.

Um dia, desafiado para tomar conta da Adega do Zé, em Olhos de Água, não resistiu. “Achava que conseguia fazer no Algarve um restaurante à moda do Minho. Com cozinha tradicional, um serviço mais humilde e caloroso e próximo do cliente, e consegui mesmo. E o movimento era tanto que num fim-de-semana em que estavam lá dois meus sobrinhos a tomar conta daquilo, nem sequer conseguiram contar todo o dinheiro do apuro. Uma loucura!” Relembra que passou depois para um restaurante mais distinto, o Viveiros da Galé, em Vale da Parra, Albufeira, onde, “a par da cozinha tradicional, tinha também muito marisco e peixes”.

Como era próximo do Vila Joya, Koschina aparecia com alguma frequência. “Eu levava cabritinhos, vinho verde, peças de vitela, fazia rojões e cabidelas, e ele era cliente. Por vezes conversávamos, mas nunca me ensinou nada”, graceja.

Nessa altura já a fama dos cozinhados que fazia no Brasão corria o país e vinha clientela de todo o lado, até os Presidentes da República. “Acho que os servi a todos”, diz, lembrando que Jorge Sampaio pediu expressamente umas papas de sarrabulho, e também um episódio passado com Mário Soares. “Veio com o presidente da câmara de então, o dr. Machado Matos, que me disse meio aflito que o dr. Soares queria um vinho específico. Já não me lembro qual. Dirigi-me a Mário Soares e pedi-lhe se me indicava, então, qual a colheita que preferia. E não é que tinha mesmo esse vinho! Ficaram todos impressionados e o presidente da câmara contava depois sempre essa história.”

Uma boa garrafeira e colheitas antigas, tal como a colecção de aguardentes, são uma das referências do Brasão. As outras são a simpatia e vontade de agradar de António Carvalho, a par da mestria dos seus cozinhados. “O que mais gosto é que peçam coisas que não estão na ementa e ver depois o sorriso de satisfação dos clientes. Gosto de trabalhar com peixes frescos, o bacalhau, as carnes, o cabritinho ou os frangos que compro aqui na região”, revela.

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O seu bacalhau à Brasão é já uma espécie de ícone da casa, mas também a costela de boi no bafo que cozinha durante oito horas, o cabrito assado no forno e respectivo arroz, ou a sopa de garoupas e as cataplanas, há muito lhe deram fama. Incentivado pelos chefs amigos, tem participado em concursos como a Revolta do Bacalhau, de Gastronomia e Vinhos Verdes ou Gastronomia com Vinho do Porto, onde tem obtido as múltiplas distinções que exibe nas paredes do restaurante.

Filho do pirotécnico e da dona da mercearia da aldeia, o penúltimo dos seis irmãos estava destinado à vida sacerdotal. “Ao quinto ano disseram que não tinha vocação e mandaram-me embora do seminário”, pelo que aos 15 anos foi trabalhar para os escritórios de uma fábrica de calçado. Mas passados os 20 já tinha a sua loja e café, onde cozinhava uns petiscos e atraía clientela.

Daí a servir refeições foi um salto. Nascia o Brasão, contratou cozinheiros e a equipa foi crescendo à medida que acrescentava restaurantes. Nas falhas, faltas e baixas, era o patrão que avançava para a cozinha e assim foi crescendo o gosto pelos fogões. Com o tempo foi ganhando também conhecimento, aperfeiçoou-se aproveitando as dicas dos chefs amigos, sempre orientado pela cozinha tradicional. “Aos 72 anos, continuo a ser bom aluno e bom aprendiz”, diz com aquele ar malandro de quem não esconde orgulho e satisfação.

A grande lição, no entanto, foi-lhe dada um dia por Alexandre Soares dos Santos. O patrão da Jerónimo Martins era um dos convivas num jantar com gente do meio, em Albufeira, no restaurante Ruína, e questionou-o. “É você que tem cinco restaurantes? ‘Sim, isso mesmo’, respondi. Então não tem nenhum! E foi seco: quando tiver quatro ou três, continua sem nenhum, e mesmo com dois vai pensar que tem um mas só tem meio. Quando tiver mesmo um é que vai ter o reconhecimento da clientela que o procura e respeita. Eles adoram-no!”

Há muito no mapa dos melhores restaurantes, não falta quem adore a cozinha do Brasão e admire a arte de António Carvalho, que reconhece terem sido palavras sábias: “Tinha toda a razão, gostava mesmo de o encontrar e dar-lhe um abraço de agradecimento.”

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