Dois anos é quase tanto tempo como um curso superior — e foi, foi um curso superior nalgumas das piores escolas da capital para chegar ao fim e aprender uma e uma só verdade: a culpa do mau comportamento nas escolas não é das crianças, nunca foi, não será e não pode ser. A culpa é nossa, dos adultos, a começar pelos pais e familiares mais próximos e a acabar nos professores e na escola.
Dois anos para compreender este conceito tão simples. Poderá dizer-se que, se calhar, sou um pouco estúpido, e provavelmente sou, mas pouco importa, já me chamaram pior, e entretanto também é verdade que poucos são os que, como eu, conseguem, dia após dia, continuar a ajudar e a trabalhar estas crianças e estes pais, pais esses tantas vezes tão adolescentes como os filhos.
Mas, perguntava eu no título deste texto, como lidar com um aluno, ou alunos, problemáticos? Querendo ouvir o aluno, querendo conhecer o aluno, dando a ele e a ela espaço para falar, atenção e tempo para se fazer ouvir, sem juízos de valor, sem preconceitos, sem querer saber da papelada toda que com eles vem quando nos chegam às mãos.
Porque o poder falar para quem nos quer ouvir cria de imediato esta sensação de pertença, de termos quem nos aceite, criando segurança, conforto, dando assim à criança, ao futuro adulto, a oportunidade de subir mais um pouco na pirâmide de Maslow e alimentar a auto-estima, o amor próprio, a realização pessoal.
Estabelece-se assim uma relação de confiança mútua desde o princípio com o aluno e os pais, connosco e com os demais professores, um de cada vez, porque há tempo, carinho, preocupação e paciência. Porque o nosso trabalho não é apenas académico, é interpessoal, social.
Dado este primeiro passo, o que fazer então naqueles dias maus, quando os alunos batem, cospem, pontapeiam e esperneiam, comunicando por actos e emoções?
Retiramos os outros alunos do espaço em redor, de modo a garantir a sua segurança, socorremo-nos de um, dois, às vezes mais, colegas e damos espaço e tempo para o aluno se acalmar. Por norma, o colega com a melhor relação com o aluno começa a conversa. Às vezes não resulta, sendo que nos revezamos uns aos outros até que a conversa comece de facto.
De caminho chamamos o pai ou a mãe, quando os há, para ajudar, dialogar, falar, para que a criança deite cá para fora tudo aquilo que acabou de ruir. E perdoamos, reparamos o mal feito e ajudamos o aluno a reparar o mal feito, amanhã é outro dia, um novo dia tão bom como qualquer outro para começar de novo e outra vez.
Como é que lidamos com alunos problemáticos? Dando-lhes uma segunda, terceira, quarta e mais hipóteses, dando uma e a outra face, outra e outra vez e tantas vezes quanto as precisas até que a criança cresça. Às vezes demora um mês, na maior parte dos casos seis. E por isso a paciência. E por isso é que demorei dois anos a apreender o ciclo, a observar o ciclo e a acreditar.
E porque acreditamos, continuamos, aprendemos, compreendemos, discutimos, reformulamos, procuramos soluções sem nunca parar, sem sonhar desistir. Se desistirmos, as crianças desistem connosco: não têm mais ninguém.
Mãos à obra! Há tantas crianças por ajudar.