“É espantoso que não haja uma derrota clamorosa do Partido Republicano”
“O Partido Democrata tem de se reinventar, estão muito mal habituados em matéria de presidentes com carisma”, diz a investigadora Raquel Vaz-Pinto em entrevista ao PÚBLICO no dia seguinte às eleições intercalares nos Estados Unidos.
No rescaldo das eleições intercalares nos Estados Unidos que reforçaram a maioria do partido de Trump no Senado e que acabaram simultaneamente com o monopólio republicano no Congresso, a professora universitária Raquel Vaz-Pinto, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) da Universidade Nova de Lisboa, fala ao PÚBLICO sobre as implicações destas eleições para o resto do mandato de Trump, para as presidenciais de 2020 e para os democratas – que precisam de se reinventar e procurar figuras de primeira e de segunda linha. “Há um eleitorado que continua a votar em Trump e essa é uma mensagem importante e que mostra como Trump talvez não seja uma moda”, diz.
Os resultados das eleições parecem ter dado margem suficiente para os dois lados clamarem vitória. Há algum lado que tenha vencido “mais” do que o outro?
Tendo em conta tudo aquilo que tem sido feito pela Administração Trump, é revelador que os republicanos tenham conseguido manter e até reforçar o controlo do Senado. Ou seja, se também é verdade que os lugares que estavam em disputa eram claramente mais favoráveis aos republicanos e que não havia, portanto, grande esperança por parte do Partido Democrata, isto também mostra como há muito mais neste Partido Republicano na sua relação com Trump do que aquilo de que poderíamos estar à espera no início do mandato.
Dito isto, por outro lado, aquilo que me parece relevante e que tem sido dito ao longo deste dia é o facto de os democratas terem recuperado a Câmara dos Representantes. Nesse sentido, através de alguns comités importantes, o Comité do Orçamento, o Comité de Serviços Secretos, e por aí fora, talvez tenham reforçado – vamos ver agora como é que tudo isto vai evoluir – a capacidade de vigiar ou de fiscalizar esta segunda metade deste mandato presidencial.
E que implicações práticas é que estes resultados podem ter para Trump?
É sempre difícil respondermos a essa questão porque Trump é um Presidente e tem uma forma de estar totalmente fora do padrão. Mas eu acho que sobretudo nas questões mais relacionadas com a relação com a Rússia, por exemplo, pode haver aí algum ganho da Câmara dos Representantes e, neste caso, do próprio Partido Democrata. Por outro lado, apesar de a figura de Beto O’Rourke [candidato ao Senado no estado do Texas] não ter conseguido ganhar o Texas, acho que é uma estrela em ascensão, se assim se pode dizer. O Partido Democrata tem aqui sérios problemas de sucessão em matéria do que pode ser a vida pós-Obama. E também é muito revelador que a grande figura que o Partido Democrata vai buscar é o próprio Obama. Aliás, há um livro que foi recentemente editado do Germano Almeida [Isto não é bem um Presidente dos EUA] que destaca precisamente esse aspecto: não é só do lado republicano que temos dilemas, é também do lado do Partido Democrata. Não são só os republicanos que têm problemas no sentido de ter sucessores, alternativas, de ter nomes que possam em 2020 concorrer e derrotar o Presidente Trump.
Estes resultados de ontem dão também algumas pistas aos democratas para as eleições de 2020?
Há aqui claramente pistas no sentido de apostar mais nas mulheres, apostar mais nas ditas minorias mas sobretudo há uma leitura que eu faço de que o Partido Democrata tem de ser capaz de se reinventar e ser capaz de ter figuras de primeira e de segunda linha. Lembro-me de uma frase do Germano de Almeida nesse livro em que diz que se tem de ir além da tentação de ir buscar a herança Clinton e a herança Obama porque na verdade os democratas estão muito mal habituados em matéria de presidentes com carisma e em matéria de grandes líderes, como foram quer Bill Clinton quer o próprio Obama. Esse é um factor relevante mas problemático, vamos ver agora como corre com a Câmara dos Representantes e a forma como vão fazer esta política de fiscalização ao que é a acção do Presidente Trump.
A campanha dos democratas em 2020 será feita mais ao centro ou mais à esquerda?
Neste momento ainda é prematuro conseguirmos perceber se terá maior efeito uma agenda mais ao centro ou uma agenda mais progressista, como diriam os democratas – na nossa linguagem quer dizer mais à esquerda. É a mesma resposta em relação ao próprio Partido Republicano porque daqui a dois anos irá a votos mais um terço do Senado e esse terço já é um terço muito menos favorável aos próprios republicanos.
Há pouco falou também na eleição de mulheres e minorias: pensa que se trata de algo acidental ou revela uma nova tendência?
É muito cedo ainda para vermos se esta eleição se confirma como uma tendência. Mas houve aqui claramente uma maior mobilização por parte desses sectores no Partido Democrata, agora vamos ver se de facto essas pessoas são capazes de fazer bons mandatos e se também são capazes de mobilizar mais pessoas, mais democratas, neste caso, que é obviamente do lado em que está a bola. O Partido Republicano é quem tem a Casa Branca.
Agora não deixa de ser espantoso que, dois anos depois de uma Administração Trump, não há nem uma derrota clamorosa do Partido Republicano nem há uma vitória clamorosa do outro lado. Continuamos nesta indefinição. Há um eleitorado que continua a votar em Trump e essa é uma mensagem importante e que mostra como Trump talvez não seja – vamos a ver – uma moda ou uma passagem.