Ao terceiro ano de relação, Web Summit e Portugal seguem de mãos dadas
Bem relacionada com o poder político, a conferência renovou contrato por mais dez anos. À terceira edição, o impacto nas startups portuguesas continua difícil de quantificar.
Desde que se mudou para Lisboa, a Web Summit tem andado de mãos dadas com o poder político, encontrando em Portugal um acolhimento que não conseguiu em Dublin, onde nasceu. O resultado desta relação acabou por ser a permanência até 2028 de uma conferência que ajudou a pôr o país no mapa da tecnologia e que significa uma semana de boas receitas turísticas – mas cujos efeitos nas startups portuguesas ninguém consegue quantificar.
A terceira edição em Portugal arranca nesta segunda-feira, e voltará a trazer dezenas de milhares de participantes, largas centenas de oradores, grandes empresas e muitas startups em busca de clientes e de investimento.
“A Web Summit está a construir uma notoriedade gigantesca à volta de Portugal e de Lisboa. É o momento em que está toda a gente no mesmo sítio. Independentemente dos resultados directos, que são sempre difíceis de avaliar, é muito positivo”, considera Celso Martinho, fundador da Bright Pixel, uma empresa de investimento e incubação de startups (que faz parte do grupo Sonae, dono do PÚBLICO).
Foi em Setembro de 2015 que o fundador do evento, Paddy Cosgrave, aterrou em Lisboa para anunciar, ao lado do então ministro Paulo Portas, que a maior feira de startups da Europa viria no ano seguinte para a capital portuguesa. Lisboa, explicou Cosgrave, tinha melhores instalações para a conferência e mais hotéis. Além disso, o Governo tinha oferecido 1,3 milhões de euros em serviços de apoio ao evento. Algum tempo depois, viriam a público os emails trocados entre Cosgrave e o gabinete do primeiro ministro da Irlanda, nos quais o responsável da Web Summit se queixava de não conseguir sequer uma resposta do governante.
A mudança suscitou atenção nos circuitos internacionais. “Estava em São Francisco aquando da primeira Web Summit. A diferença foi notória: entre Portugal ser conhecido pelo vinho e pelas praias, e haver pelo menos curiosidade sobre o que Portugal estava a fazer na área do empreendedorismo”, recorda Pedro Manuel Costa, associado do Institute of Public Policy, um think tank em Lisboa.
Logo após aquele anúncio, o ciclo político mudou. António Costa tornou-se primeiro-ministro e o novo Governo desdobrou-se em esforços para apoiar o evento. Foi criado um grupo de trabalho para acompanhar a conferência, bem como um programa para oferecer a entrada a dezenas de startups portuguesas. Tornou-se frequente ver governantes em eventos associados à Web Summit. O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior participou na divulgação de bilhetes mais baratos para estudantes. Na edição do ano passado, um entusiasmado António Costa tirou a gravata no palco do Altice Arena e pô-la ao pescoço de Cosgrave.
Também o presidente da câmara de Lisboa, Fernando Medina, já entregou simbolicamente as chaves da cidade ao fundador da Web Summit. E a sessão de encerramento do ano passado contou (como acontecerá este ano) com o Presidente da República. Na semana passada, Marcelo Rebelo de Sousa até gracejou dizendo que um efeito negativo da permanência da conferência em Portugal poderia ser a sua recandidatura a mais um mandato.
A relação entre a Web Summit e as autoridades portuguesas também já teve arrufos. Um jantar organizado pela conferência no Panteão Nacional deu origem a uma polémica que levou o Governo avançar com uma alteração da lei (o PÚBLICO questionou o evento sobre o local do jantar este ano; a resposta foi que será num sítio “não polémico”).
Mais recentemente, o convite feito pela organização a Marine Le Pen, líder do partido francês de extrema direita Reagrupamento Nacional, motivou uma troca de recados na imprensa entre Cosgrave e o Ministério da Economia. O ministério disse que não iria opinar sobre o caso, como Cosgrave pretendia. O convite acabou por ser retirado.
Já quando Costa fez a recente remodelação no Executivo – o que incluiu um novo ministro da Economia, que tem o dossier da Web Summit – Cosgrave mostrou-se confiante. "Estas remodelações são parte da vida política de qualquer país e, como tal, acreditamos que a nossa relação continuará no bom caminho", disse na altura à agência Lusa.
É uma relação que deu frutos. Apesar das propostas de outras cidades europeias – que, segundo Cosgrave, até ofereciam mais dinheiro –, foi acordada a permanência da conferência em Lisboa por mais dez anos. Como parte das contrapartidas, serão investidos 11 milhões de euros anuais de dinheiro público (o PÚBLICO questionou o Ministério da Economia sobre os detalhes deste investimento, mas não teve resposta). O espaço da Feira Internacional de Lisboa, que acolhe as startups, será ampliado.
Há estimativas oficiais sobre o retorno deste investimento – pelo menos no que diz respeito a receitas turísticas: são cerca de 300 milhões de euros em serviços como alojamento, transportes e restauração. Mais difícil é perceber o impacto nas startups portuguesas, que têm surgido em grande número nos anos recentes, motivadas por uma mistura de digitalização da sociedade, mudanças de mentalidade, novas políticas públicas e, até há pouco, dificuldades criadas pela crise financeira.
Celso Martinho, que fundou o portal Sapo nos anos 1990, diz que se tornou mais fácil lançar uma startup: “Há cinco ou seis anos, quem quisesse começar, não tinha incubadoras, não tinha redes, tinha investidores com uma lógica tradicional de emprestar dinheiro, não tinha apoios do Estado. Esta infraestrutura agora está construída.” Mas afirma que ainda há caminho a percorrer: “Acho que nos falta maturidade, não temos coisas que é habitual vermos noutras cidades, como é caso dos empreendedores em série. Já se vêem alguns, mas faltam mais.”
Por seu lado, Pedro Manuel Costa nota que o efeito da Web Summit efeito pode não ser permanente: “Silicon Valley vai continuar a ser Silicon Valley. Não sei se daqui a dez anos, independentemente da Web Summit, Portugal terá o reconhecimento que hoje tem.”