A escolha de Assis e o futuro do PS
Uma exclusão pura e dura de um dos melhores intelectuais do PS soará a castigo por delito de opinião. Um lugar menos digno representará uma humilhação. De uma ou outra forma, o PS vai ter de fazer uma escolha sensível.
A continuidade ou não de Francisco Assis nas listas do PS para o Parlamento Europeu vai representar muito mais do que uma escolha rotineira da direcção socialista. Se há uma óbvia neutralidade na aceitação da desistência de Ana Gomes e até uma obrigação ética em excluir Manuel dos Santos após o seu ataque à presidente da Câmara de Matosinhos – chamou-lhe, em tom de insulto, “cigana” -, já o futuro de Assis encerrará uma óbvia discussão sobre o que é e o que vai querer ser o PS no futuro. Caso não desista por vontade própria, ao ficar ou ao sair das listas o eurodeputado será um ponto de referência crucial para se avaliar o rumo programático e ideológico do PS e, ainda mais, para se determinar até que ponto a heterodoxia continua a ser uma marca de água do partido.
Francisco Assis tem sobre si o ónus de ajudar à clarificação do PS porque se destacou como o principal opositor interno da “geringonça”. Não houve nem inocência, nem incoerência, nem desinteresse nesse posicionamento. Assis é claramente um socialista pós-blairiano, devotado ao consenso entre a democracia liberal, o estado providência europeu e a livre iniciativa capitalista e, pelo facto de o ser sem equívocos, jamais poderia sufragar um pacto parlamentar com partidos que, em boa medida, abominam essas ideias. Mas, ao denunciar as alianças do PS com adversários históricos, Assis estava também a posicionar-se como uma referência do PS profundo e irredutível contra um PS que, supostamente obcecado pelo poder, renunciava à sua matriz. Ou seja, estava a acumular capital político.
Assis enganou-se com estrondo – como a maioria dos que anteciparam a vinda do Diabo, não imaginou a renúncia do Bloco e do PCP aos seus velhos tabus e ainda menos o seu sentido de responsabilidade. E ficou refém desse engano. Por muito que tenha dito que jamais recuará nas suas “convicções profundas” para garantir lugares, certo é que Assis é hoje uma figura sem a sua aura e poder de outrora. Ficará em Bruxelas se a ala esquerda for condescendente. E, principalmente, se António Costa quiser. É nessa atitude ou nessa vontade que se desenhará um pouco o rosto do PS. Uma exclusão pura e dura de um dos melhores intelectuais do PS soará a castigo por delito de opinião. Um lugar menos digno representará uma humilhação. De uma ou outra forma, o PS vai ter de fazer uma escolha sensível.